
Alberto Zacharias Toron criou uma marca na história do direito brasileiro. Dono de um dos escritórios mais relevantes do país, ele atuou em casos de imensa repercussão, da Lava Jato à defesa de João de Deus. Nesta semana, esteve em Franca para a 53ª Semana Jurídica da FDF (Faculdade de Direito de Franca) e concedeu entrevista ao portal GCN/Sampi, na qual faz reflexões profundas sobre a democracia, a sensação de impunidade no país e o papel do advogado na defesa em casos complexos.
Ao relembrar sua trajetória acadêmica, iniciada em 1977, Toron destacou o contexto de repressão vivido no Brasil sob a ditadura militar. Naquela época, os estudantes lutavam fervorosamente por liberdades democráticas e pela convocação de uma constituinte, que veio a se realizar em 1988. “A ditadura era um regime autoritário que, paradoxalmente, permitiu alguns avanços no direito penal. Os estudantes daquela época tinham um desejo urgente por democracia e justiça social”, afirmou.
Toron ressaltou que a transição para a democracia não garantiu, necessariamente, a ampliação das garantias individuais no âmbito penal. Para ele, mesmo regimes democráticos permitem a coexistência de sistemas penais autoritários. Ele deu como exemplo que, durante a ditadura, ocorreram avanços como o fim da prisão preventiva obrigatória em 1967 e a promulgação da Lei Fleury em 1973, que permitia a réus primários recorrerem em liberdade.
Já no período democrático, medidas como a Lei de Crimes Hediondos, de 1990, endureceram o sistema penal, contribuindo para que o Brasil alcançasse a terceira maior população carcerária do mundo. “O Brasil optou por um sistema de encarceramento massivo, sem pensar nas consequências sociais dessa política punitivista”, criticou.
Sobre a sensação de impunidade que permeia a sociedade brasileira, Toron acredita que essa percepção está mais relacionada à ineficiência das forças policiais do que propriamente a falhas do Judiciário. “As polícias não investigam bem. O problema não é o juiz soltar alguém que foi preso de forma irregular, mas sim o fato de que, muitas vezes, o crime sequer é elucidado com qualidade”, argumentou.
Ele reconheceu que indivíduos com maior poder aquisitivo têm acesso a recursos que possibilitam prolongar processos e obter perícias especializadas. No entanto, enfatizou que tais direitos deveriam ser universalizados. Nesse sentido, destacou o papel crescente das defensorias públicas na promoção de uma defesa mais equitativa para os menos favorecidos. “Se todos tivessem uma defesa técnica de qualidade, veríamos uma justiça muito mais equilibrada e menos desigual”, afirmou.
Toron também foi um advogado atuante na defesa dos acusados pela Operação Lava Jato. Na época, conseguiu derrubar algumas decisões do juiz Sérgio Moro em tribunais superiores. Ao traçar um paralelo entre a Operação Lava Jato e os julgamentos relacionados aos eventos de 8 de janeiro, que acabaram de tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro réu, Toron expressou preocupação com possíveis atropelos processuais em ambos os casos. "O devido processo legal precisa ser respeitado, independentemente de quem esteja no banco dos réus. Se abrirmos exceções, colocamos em risco todo o sistema de garantias", alertou.
Criticou a celeridade dos julgamentos e questionou a imparcialidade de figuras como o ministro Alexandre de Moraes, especialmente quando este atua como juiz em processos dos quais foi, de alguma forma, vítima. Alertou ainda para as elevadas penas aplicadas e para o risco de punições desproporcionais a indivíduos com menor grau de envolvimento. “Há um desejo social de punição imediata, mas a Justiça não pode ser movida pela paixão popular, e sim pelo rigor técnico da lei”, pontuou.
Diante da complexidade dos casos, em que muitas vezes o advogado se vê defendendo clientes que têm contra si a opinião pública, Toron tem uma posição muito clara. Ele esclareceu que, embora o Código de Ética da Advocacia permita a defesa de qualquer indivíduo sem considerações morais pessoais, ele adota critérios próprios. Por exemplo, optou por não defender um policial acusado de tortura, indicando outro profissional para o caso. “Eu posso defender qualquer pessoa, mas não significa que eu deva. Preciso estar convencido de que estou exercendo um papel técnico e ético, e que minha consciência me permite fazer essa defesa com empenho e dignidade”, explicou.
Essa postura reflete sua convicção de que, apesar do direito universal à defesa, é essencial que o advogado se sinta confortável e plenamente capaz de representar seu cliente com dedicação e competência. Sua trajetória evidencia não apenas seu compromisso com a justiça, mas também a importância de uma bússola moral na prática advocatícia, equilibrando a defesa intransigente dos direitos com princípios éticos.
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