OSP 125 ANOS

Entre voltas e reviravoltas, uma orquestra de 125 anos

Por Marcelo Batuíra Losso Pedroso | Jornal de Piracicaba
| Tempo de leitura: 10 min
Divulgação

Não são muitas instituições que duram por décadas, mais poucas ainda são aquelas que ultrapassam o século. São criadas, crescem, amadurecem, enfraquecem, se reestruturam, mudam, mas permanecem firmes, sobreviventes de uma história remota que a memória se esforça em não deixar esquecer. Piracicaba é berço de várias instituições centenárias, que a história registrou aqui e ali suas pegadas. Uma orquestra ultrapassar um século é feito raro. E até agora não registrado oficialmente no anais da história do Brasil. Sim, do país mesmo.

A Orquestra Sinfônica de Piracicaba é a orquestra mais antiga do Brasil. Não é a mais antiga em atividade ininterrupta, mas é a mais antiga em registros históricos e que não obstante suas voltas e reviravoltas, suas várias mudanças de nomes, ela permaneceu, como um tênue fio condutor levando música aos ouvidos dos piracicabanos. Em 1920 surge a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (SP), em 6 de outubro de 1929 constitui-se a «Sociedade Symphonica Campineira», dando seu primeiro concerto em novembro do mesmo ano. Em julho de 1930 é a vez da Orquestra Sinfônica do Recife, até hoje em atividade e em 1934, cria-se em João Pessoa, na Paraíba, a famosa Orquestra Tabajara, voltada à música jazzística. Impulsionada e adotada pelo jornal O Globo, surge no Rio de Janeiro, em julho de 1940, a icônica Orquestra Sinfônica Brasileira. Todas elas disputam o cobiçado título de «orquestra mais antiga do Brasil». Agora vamos acrescentar mais uma a esse seleto grupo brasileiro: a OSP.

Foto abaixo: "Orchestra Lozano" em 1915, regente: Fabiano Lozano

Se a condição de «mais antiga do Brasil» for "em atividade ininterrupta, então as Orquestras Sinfônica de Campinas e Sinfônica do Recife podem levar o troféu. Mas a orquestra que podemos chamar de piracicabana nasceu muito antes dessas outras: no dia 24 de março de 1900, na igreja matriz de Santo Antonio (4 meses antes da fundação do próprio Jornal de Piracicaba). E sabemos disso por um registro no livro «Piracicaba em Quadrinhos», de Leandro Guerrini, no qual cada fato da cidade de Piracicaba foi coletado por ordem cronológica de fonte autêntica. Diz o trecho de 24 de março de 1900:
«Na Matriz de Santo Antônio, foi celebrada missa por alma do velho músico Roque do Prado, mandada rezar pelos seus colegas e amigos. No ato, sob a regência do maestro Lázaro Lozano à grande orquestra, foi executada a marcha-fúnebre ‘Saudades de Almeida Júnior', de Joaquim Miguel Dutra.»

A menção  feita «à grande orquestra» já nos faz ter ideia da dimensão «sinfônica» daquele conjunto orquestral, contudo, é impossível hoje saber a quantidade de músicos que participaram. Mas se sabe muito bem da boa reputação de Lázaro Lozano, que nasceu na Espanha em 1871 e veio para o Brasil aos 13 anos de idade. Lozano tornou-se músico e regente de renome com formação (posterior) no Conservatório Real de Música de Madrid. Era irmão mais velho de Fabiano Lozano para quem a «batuta» foi passada quando ele deixou Piracicaba.

Foto abaixo: Orquestra Piracicabana de Amadores, em 1946. Regente: Edgard Van de Branden (Teatro da Società Italiana)

Diferentemente do nascimento da Sinfônica de Campinas que foi criada já como uma sociedade jurídica devidamente instituída, a Orquestra de Piracicaba (vamos assim chamá-la) nasceu da reunião de músicos organizados pelo maestro Lázaro Lozano, como um corpo coletivo destinado a tocar em determinadas ocasiões. Não sabemos nem mesmo se possuía uma finalidade econômica ou foi criada apenas por amor à música.

Catorze anos mais tarde, é justamente seu irmão mais novo, Fabiano Lozano, que se vale de alguns músicos dessa orquestra para criar o conjunto musical se veio a se chamar «Orchestra Lozano». Mas Fabiano era mais organizado e formal e criou um Estatuto Social para reger essa organização musical. Havia um escopo, um objetivo social bem definido segundo o maestro: «cultivar o gosto pela verdadeira arte, fazendo tudo que estiver ao seu alcance para popularizar as obras dos mestres».

 Dessa orquestra temos registro de alguns músicos piracicabanos que dela faziam parte: o flautista Erotides de Campos (que hoje dá nome ao Teatro do Engenho), o violinista Benedito Dutra Teixeira Belmácio de Pousa Godinho (também jogador de futebol e um dos fundadores do XV de Novembro), Luiz de Campos Neves, Francisco Potosi Falconi, Messias Dutra, Luís Elpídio Franco, Ferdinando Rebecchi, Augusto X. Antunes, José Gianelli, Benedicto Conceição, Julio de Oliveira Neto, Nestor de Moraes e Raul Dias Laranjeira. A primeira apresentação dessa orquestra se deu no dia 12 de outubro de 1914 e conforme notícia no Jornal de Piracicaba, na Universidade Popular de Piracicaba e a « Orchestra Lozano » se ufanava de seus músicos «serem todos piracicabanos» .

O estatuto que deu origem à orquestra de Fabiano Lozano, foi escrito à mão pelo próprio em 5 de outubro de 1914. O pequeno estatuto social da orquestra possui somente 10 artigos, alguns deles curiosos e outros inspiradores. O ultimo artigo tratava de qual destino se dar aos bens da orquestra em caso de sua dissolução. O primeiro era um eco ao objetivo social pelo qual foi criada: Tocar por amor à arte , sem ter em mira unicamente a remuneração pecuniária». O artigo terceiro era taxativo: «Comparecer a todos os ensaios e à hora marcada». E o curioso artigo 8o visava coibir a concorrência: «Não fazer parte de nenhuma orquestra nesta cidade e ter como divisa de união: ‘todos ou nenhum’.

Os concertos dessa orquestra continuaram pelos anos seguintes, como dá conta das notícias do Jornal de Piracicaba, incluindo músicas que eram queridas pelo público, como trechos instrumentais de óperas (Puccini, Ponchielli, Verdi) e até mesmo a execução do hino nacional. Mas em 25 de maio de 1925 a orquestra ganhou uma sociedade mantenedora. Fabiano Lozano, com vários cantores de famílias tradicionais de Piracicaba que participavam do «Orpheon Piracicabano» (também criado ele), funda a Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba (a segunda mais antiga do Estado de São Paulo). Dentre seus fundadores, está Fortunato Losso Netto que dá nome ao Teatro Municipal de Piracicaba.

Agora a «Orchestra Lozano» muda de nome novamente e passa a se chamar «Orquestra Piracicabana». Sob a tutela e o financiamento da Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba, a Orquestra passa a ter apresentações mais regulares, passando a tocar no Theatro Santo Estêvão (hoje lamentavelmente demolido), ainda sob a regência de Fabiano Lozano e muitas vezes acompanhada pelo coro do Orpheon Piracicabano.

Em 1931, Fabiano Lozano deixa Piracicaba e passa a regência da Orquestra Piracicabana para o maestro Benedito Dutra Teixeira, que era violinista da orquestra. Como violino spalla da orquestra ficou Olênio Veiga que já tocava na orquestra desde 1928 e será seu spalla (principal instrumentista da orquestra) até 1997.  As famílias de musicistas piracicabanos participavam ativamente da orquestra. A exemplo disso era que Rossini Rolim Dutra, filho do maestro, tocava na orquestra e virá, anos depois se tornar o maestro. E Hoje Luiz Fernando Dutra, bisneto de Benedito Dutra Teixeira é o chefe de naipe dos segundos violinos e é o regente da orquestra que se apresenta no projeto didático da OSP, DO RE MI.

Em 1946, a orquestra tem uma nova reestruturação liderada pelo Professor da Esalq, Jaime Rocha de Almeida e seu nome muda mais uma vez. Não se sabe se por um senso humildade ou pelo próprio perfil dos músicos piracicabanos que muitos deles exerciam outras atividades profissionais, ao nome «Orquestra Piracicabana» se adicionou «de Amadores». É importante registrar nesse momento a importante participação de outros professores da Esalq na organização da orquestra, como o Professor Alcides Guidetti Zagatto e o Professor Eduardo Augusto Salgado.

Foto abaixo: Orquestra Piracicabana em 1934, regente: Benedito Dutra Teixeira

Nessa nova fase, apenas 25 músicos participam da orquestra e esta se desvincula da Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba procurando um independência maior. E para regê-la, vem à Piracicaba o maestro belga Edgard van den Branden tendo os concertos transferidos para o Teatro da Società Italiana de Mutuo Soccorso. O maestro belga conduz apenas alguns concertos e logo a regência volta para o maestro Benedito Dutra Teixeira.

Na década de 1950, como resultado do próprio crescimento da cidade e a intensificação das atividades culturais, surge em Piracicaba uma nova orquestra: a Orquestra Rizzi, sob a regência do maestro Germano Benencase, professor do Colégio Piracicabano. Essa nova orquestra é formada por músicos piracicabanos que pertenciam à «antiga» Orquestra Piracicabana, antes da reformulação feita por Jaime Rocha de Almeida, com músicos que não migraram para a Orquestra Piracicabana de Amadores e outros jovens músicos. E por mais de uma década, em Piracicaba, duas orquestras se « concorriam »  revezando-se em várias apresentações.

É importante registrar que havia ainda uma terceira orquestra, segundo o depoimento do professor e crítico musical Afrânio do Amaral Garboggini, a Orquestra Sinfônica da Escola de Música de Piracicaba, regida pelo maestro Ernst Mahle. Quando a Orquestra Piracicabana de Amadores se desvinculou da Sociedade de Cultura Artística, esta foi abrigada na Escola de Música de Piracicaba pelo casal Cidinha e Ernst Mahle e os recitais, concertos e saraus passaram a ser feitos nos palcos da Escola de Música. Enquanto a Orquestra Piracicabana de Amadores e a Orquestra Rizzi se utilizavam de outros locais da cidade para suas apresentações.

Mas em 1962, com o falecimento do maestro Benedito Dutra Teixeira, as duas orquestras, então «concorrentes», começaram a se fundir. Essa fusão levou três anos para se completar e se solidificar. Em 1965 muda seu nome para: «Orquestra de Amadores Benedito Dutra Teixeira». A regência era revezada pelos maestros Egildo Rizzi e Rossini Rolim Dutra, filho de Benedito.

Em março de 1967, criou-se pela primeira vez a «Associação da Orquestra Sinfônica de Piracicaba», passando a ganhar uma personalidade jurídica, registrada em cartório, com uma Diretoria constituída e um Estatuo Social. Nesse mesmo ano, a orquestra recebeu o honroso convite de participar das celebrações do bicentenário de Piracicaba, em memorável concerto regido por Rossini Dutra.

A orquestra manteve-se firme e ativa até que 1976 o maestro Rossini Dutra resolve largar a orquestra para exercer a profissão de advogado. A orquestra então fica nas mãos dos irmãos Rizzi, todos músicos: Egildo, Rodolfo e Reginaldo. Em 1991 a Orquestra tem uma nova reestruturação com a chegada do maestro Hélio Manfrinato. Ao assumir a regência da orquestra, Hélio Manfrinato aumenta o contingente para 50 musicistas, ganhando uma dimensão «sinfônica» propriamente dita.

Em 1994, a orquestra, mais uma vez, altera de nome, passando agora a se chamar «Orquestra Sinfônica de Piracicaba», se consolidando na parte administrativa com um novo estatuto social e legalmente reorganizada. A Associação da orquestra é dirigida por Hélio Manfrinato, Olênio Veiga e Egildo Pereira Rizzi.  Hélio Manfrinato ocupa a regência titular da orquestra até 1996 quando é assumida pelo maestro Rizzi até seu falecimento, em dezembro de 2012. No início dos anos 2000, já passa há uma separação entre a associação mantenedora, com seu corpo diretivo e administrativo e o agrupamento coletivo dos músicos da orquestra sinfônica. O engenheiro agrônomo José Carlos de Moura assume a coordenação administrativa da orquestra e o maestro Rizzi a parte artística da regência. Em 2005 o engenheiro Reinaldo Gerdes assume a vice presidência da orquestra sinfônica, vindo a se tornar hoje, seu atual presidente.

A partir do ano de 2013, o professor e violoncelista André Micheletti assume a direção artística da Orquestra até julho de 2014, quando o maestro piracicabano Jamil Maluf, se torna o regente titular e Micheletti passa a ser o diretor associado. Em 2015 a Orquestra Sinfônica de Piracicaba passa por uma grande reestruturação e profissionalização de sua gestão administrativa, passando a captar recursos financeiros no mercado por meio de projetos federais e estaduais de incentivo fiscal, passa a contar com um subsídio anual fixo, da Prefeitura Municipal de Piracicaba, reajustado anualmente.

O maestro Jamil Maluf promove um amplo concurso para seleção das 60 vagas disponíveis para formar a orquestra em sua dimensão sinfônica, amplia a quantidade e mantém a regularidade dos concertos e cria projetos paralelos educacionais, promovendo concertos didáticos (como o projeto «Do-Re-Mi») e os projetos pedagógicos «Música nas Escolas». Há uma diversificação nos locais de apresentação e um aumento significativo de público a cada ano, a partir da reestruturação.

Abaixo, Jamil Maluf em uma de suas apresentações.

A OSP, mesmo suspendendo as apresentações presenciais durante a pandemia do coronavírus, mantém concertos por vias digitais. A tecnologia digital empregada permitiu que todos os músicos da orquestra tocando separadamente suas partituras, em gravações feitas remotamente, formassem um conjunto sinfônico único transmitido online. Após a pandemia, em 2022, o maestro Jamil Maluf se torna maestro emérito e a associação mantenedora da Orquestra Sinfônica convida o maestro alemão Knut Andreas para assumir a titularidade da regência. Em 24 de março de 2025, a OSP completa 125 anos de música para os piracicabanos.

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