Um dia típico do sexto ano, na Faculdade de Ciências Médicas de Campinas, lá pela virada do nosso século, compunha-se de um clima de calor que permeava a pesada e sólida estrutura do Hospital das Clínicas. Com paredes brancas, forro antigo no teto e um piso de cerâmica fria, destacava-se pintado no chão um feixe de barras coloridas para orientação de pacientes pelos corredores. Aliás, havia muitos pacientes. Nós, alunos no internato, ajudávamos com a maior parte da demanda dos ambulatórios lotados, entre residentes e docentes.
Tal como as paredes, vestíamos branco e ... tensão. Muita tensão. Isso porque o atendimento era a prática da matéria que já deveria ser conhecida. Deveria.
“Certo” – dizia o professor, ao “discutir” o caso do paciente – “que exames você vai pedir para esta senhora?”
O interno imediatamente recitava, em um respiro só, meia dúzia de nomes técnicos aplicáveis às amostras de sangue e urina da paciente segundo o protocolo de uma universidade norte-americana, sendo, contudo, interrompido subitamente na sua “ladainha” pela voz grossa e calma do docente:
“... e o que você pretende descobrir com cada um destes...?”
“ah... como? – responde o interno, branco de roupa e agora de pele, com olhos esbugalhados.
“... cada um destes exames, para que serve?” – rebate o docente com voz já não tão calma.
Bem, vamos congelar a cena neste ponto para salvarmos nosso incauto interno de uma bronca logo pela manhã neste dia longo e quente para extrair com isso a essência do ensinamento: exames fazem parte de uma cadeia de raciocínio diagnóstico, que devem sempre orientar e esclarecer o que já está montado dentro da cabeça de quem os pede, ou seja, o médico.
“Caso não saiba exatamente o que deseja quando pede um exame, é melhor que nem o faça, pois causará mais um problema, gerando dúvidas sobre qual ‘caminho seguir’ ao invés de colaborar com a solução” – se bem me lembro foi uma frase como esta (dita de forma ligeiramente mais ríspida e infelizmente impublicável) que se ouviu na sala de ambulatório naquela manhã.
Frase verdadeira, doa a quem doer. O que dá segurança ao paciente e confere autoridade ao “branco” da vestimenta do médico é a clareza que se transmite ao conduzir o caso. O paciente deve se sentir cuidado por alguém que caminha firme no rumo da melhor solução, seja ela qual for.
Exames, em si, não dão essa segurança. Eles têm que estar amparados por conhecimento médico e este, por sua vez, por um indivíduo portador de compaixão pelo sofrimento alheio e com uma boa dose de vontade para mudar o curso natural de uma enfermidade. Esses dois são componentes fundamentais a todo ato médico e solicitar exames está incluso nisto.
Não fosse assim, um algoritmo de inteligência artificial seria capaz de fazer um paciente se sentir compreendido nas suas queixas, esclarecido nas suas dúvidas e amparado nas próprias decisões, por vezes, nada fáceis de serem tomadas. Vejam, um diagnóstico feito por um médico comprometido vai bem mais além de aplicar um protocolo, fornecer o nome de uma doença e depois de um remédio.
Meu conselho, então, é que façam valer as broncas que seu médico recebeu na faculdade e usem do conhecimento dele para além de “pedir” exames, mas também para guiar e aconselhar diante dos resultados.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)
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José Antonio Bergamo 2 dias atrásExcelente!