A relação de Franca com a cafeicultura, mais do que um capítulo na história regional, é parte essencial da identidade econômica e social da cidade. Ao longo de sua história, Franca teve sua trajetória entrelaçada com o café, que não apenas transformou a economia local, mas também moldou sua cultura e sociedade. Nos 200 anos da cidade, celebrados nesta quinta-feira, 28 de novembro, veja o papel do "ouro verde" na formação da identidade francana.
Segundo Rogério Naques Faleiros, em sua dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em 2002, "Homens do Café: Franca, 1880-1920", o cultivo de café na região era tímido nas primeiras décadas do século XIX, convivendo com atividades como a produção de gêneros alimentícios e a criação de gado.
Documentos históricos de 1833 já trazem menções à cultura do café, mas apenas como complemento às demais práticas agrícolas. A obrigatoriedade de plantar 25 pés por braça de terra, estipulada pela Câmara Municipal, simbolizava os primeiros passos dessa relação.
Foi apenas na segunda metade do século XIX, especialmente na década de 1880, que a cafeicultura ganhou espaço na paisagem econômica da cidade. O café emergiu de uma lavoura secundária para se tornar o motor econômico de Franca, em grande parte graças à chegada da ferrovia Mogiana, que conectou a produção local aos mercados consumidores do estado e do país.
A década de 1880: ferrovia, café e mudanças sociais
A década de 1880 marcou uma transformação definitiva. A chegada dos trilhos da Companhia Mogiana em 1887 trouxe a infraestrutura necessária para integrar Franca ao ciclo cafeeiro paulista, promovendo o crescimento da produção e o surgimento de grandes fazendas especializadas. Como aponta Faleiros, essa época foi crucial para a consolidação da cafeicultura como principal atividade econômica da região.
O modelo de trabalho, no entanto, ainda refletia as desigualdades estruturais do período. Inicialmente, o trabalho escravo desempenhou papel fundamental no cultivo do café, mesmo em meio à decadência do sistema escravocrata. Com a abolição, os imigrantes europeus, especialmente italianos e espanhóis, foram integrados à produção. Apesar de uma promessa de melhores condições, as cláusulas contratuais frequentemente endividavam os colonos, que viam seus esforços sendo apropriados pelos grandes proprietários.
Os grandes proprietários e a hierarquia social
A elite agrária local, formada por famílias como os Junqueira e os Garcia Lopes, desempenhou papel central na estrutura econômica e social de Franca no auge da cafeicultura. Esses "homens do café" controlavam vastas extensões de terra, dominavam o mercado e impunham seu poder por meio de relações hierárquicas que permeavam até mesmo as estruturas políticas da região.
No entanto, conforme os lucros do café cresciam, também cresciam as desigualdades. Faleiros destaca como a cafeicultura não apenas gerou riqueza, mas também consolidou estruturas sociais excludentes. Os grandes proprietários, ao controlar a terra e o crédito, garantiam sua posição dominante enquanto trabalhadores e pequenos posseiros lutavam por subsistência.
A crise de 1898-1906: o início das mudanças
O crescimento acelerado da cafeicultura culminou na crise de superprodução entre 1898 e 1906. Durante esse período, o excesso de café no mercado global levou à queda dos preços, impactando profundamente os produtores de Franca. Muitos grandes proprietários enfrentaram endividamento e perda de terras, enquanto o modelo de parceria começou a substituir o colonato.
Nesse novo cenário, pequenos proprietários ganharam destaque. A fragmentação de terras permitiu que antigos colonos adquirissem suas próprias propriedades, transformando a paisagem agrária da região. Ainda assim, os desafios persistiam: baixa acumulação de capital e acesso limitado a crédito continuavam a dificultar o avanço econômico para os pequenos cafeicultores.
Legado e memória: Franca e o café nos 200 anos
Hoje, mesmo com a diversificação econômica da cidade, que inclui a indústria coureiro-calçadista, o comércio e setor de serviços pujantes, o legado do café permanece vivo, seja nas memórias das fazendas históricas, seja nas ruas e avenidas que testemunharam sua ascensão.
A commodity ainda é importante fonte de renda e emprego no município. Em 2023, o café (em grão) arábica representou 61,3% da produção agrícola do município, segundo a Fundação Seade. E leva Franca ao Brasil e ao mundo, com os cafés especiais, rivalizando com o calçado como principal produto nas exportações.
O café é mais do que um produto agrícola para Franca. Ele simboliza progresso e ajudou a moldar a identidade francana.
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.