OPINIÃO

Sapateiros podem estar perdendo dinheiro

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 7 min

Muitos sapateiros poderiam ter um salário maior e não sabem. Muitas empresas estão deixando de pagar ou estão pagando errado os salários dos sapateiros. Você já ouviu falar em um adicional que pode ser pago para quem trabalha na indústria de calçados, chamado de “adicional de insalubridade”? Sabe o que é e como funciona?

Muitas pessoas pensam, equivocadamente, que quando se fala em INSALUBRIDADE está se falando apenas em aposentadoria especial. Embora possa ter algum tipo de relação, não é só isso.

Porém, nem todo sapateiro tem o direito de receber esse adicional. É necessário estar diretamente exposto aos riscos. Além disso, o uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) pode neutralizar ou amenizar a exposição aos riscos, fazendo com que o trabalhador não tenha direito a receber esse adicional no seu salário.

Destarte, há empresas que estão pagando esse adicional e talvez não precisavam.

1. O que é, como funciona e quem tem direito?
O adicional de insalubridade é um direito trabalhista concedido a sapateiros que trabalham com substâncias prejudiciais à saúde ou à riscos à sua integridade física (podem ser agentes químicos, físicos ou biológicos). Geralmente, quem trabalha na indústria calçadista tem diversos elementos, como a cola de sapateiro, a tinta, o ruído, o calor etc. Esse adicional é um valor extra no salário e visa compensar os riscos à saúde causados pela exposição a esses agentes nocivos. Há quem entenda que também é uma forma de forçar o empregador a adotar medidas protetivas para diminuir ou neutralizar esses agentes nocivos.

Portanto, dentro da indústria de calçados, algumas atividades podem dar direito ao adicional de insalubridade, que pode variar de 20% a 40% do salário-mínimo, devido à exposição a agentes nocivos à saúde. Entre elas, podemos citar:

a) Manuseio de Cola de Sapateiro: Profissionais que lidam diretamente com a cola de sapateiro, que contém hidrocarbonetos aromáticos, podem ter direito ao adicional de insalubridade. Esses hidrocarbonetos são considerados agentes agressivos à saúde e estão presentes na composição da cola utilizada na fabricação e reparo de calçados.

b) Montadores e Cortadores de Calçados: O cortador é responsável por cortar as partes do calçado (cabedal, solas, palmilhas etc.) de acordo com os moldes e especificações. O montador une as diferentes partes do calçado, como a parte superior (cabedal) e a sola. Cortadores e montadores de calçados, que trabalham com materiais como couro, tecidos e componentes, também podem ter direito ao adicional. A exposição constante a substâncias químicas, como tintas, solventes e graxas, torna essa atividade insalubre.

c) Exposição a Ruído e Calor: Além dos agentes químicos, o ruído excessivo das máquinas e o calor gerado no processo de fabricação de calçados também podem ser considerados insalubres. Alguns exemplos de atividades que podem se encaixar nessa situação são o “blaqueador” e o “enfumaçador”.

2. Reflexos do adicional de insalubridade
O adicional de insalubridade pode impactar em diversos fatores, e não apenas em um ganho extra ou na possibilidade de uma aposentadoria mais vantajosa.

Por ser considerado verba salarial, isso reflete nos valores de depósito de FGTS (Fundo de Garantia de Serviço) e da respectiva multa no caso de demissão, nas férias e no 1/3 Constitucional, no 13º salário e no aviso prévio.

De outra sorte, o período que for considerado insalubre também pode afetar na futura aposentadoria. E aqui não está falando apenas da consideração de um salário maior com o adicional e seus reflexos (que elevaria o valor da média do salário de benefício), mas também da possibilidade de antecipar o momento da aposentadoria. Isso porque, o adicional de insalubridade no salário pode ser um indício de que a atividade seja especial para o sapateiro, permitindo que ele se aposente de maneira especial (com 25 anos de atividade) ou majorando o tempo anterior a 2019 para se aposentar, trazendo situação mais vantajosa – e, muitas vezes, até “escapando” da Reforma Previdenciária.

3. Quando o sapateiro NÃO tem direito ao adicional de insalubridade
Nem sempre o sapateiro pode ter direito ao adicional de insalubridade. Há algumas situações em que esse adicional pode deixar de ser pago. O objetivo da lei não é apenas “pagar” pela saúde do trabalhador que está sendo prejudicado, mas sim evitar que isso aconteça. Por isso, quando o empregador adota técnicas de segurança do trabalho, como, por exemplo, o fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) eficazes, isto é, aptos a diminuir ou neutralizar os efeitos nocivos do agente, o adicional de insalubridade não será pago.

Entre os EPIs mais comuns utilizados pelos sapateiros estão as máscaras, luvas e protetores auriculares.

No entanto, embora seja possível controlar a exposição do trabalhador ao risco utilizando EPI, o simples fornecimento do respectivo equipamento não elimina do empregador a obrigação do pagamento do adicional de insalubridade. Para eliminar o adicional é necessário comprovar que o seu uso é eficaz (ou seja, que controla ou neutraliza o agente agressivo). Registros de treinamento, fichas de EPIs devidamente preenchidas, são formas importantes de provar que o uso tem acontecido de fato. E o mais importante, se possível, fazer testes com o EPI. Não adianta, por exemplo, fornecer uma máscara, luvas ou um protetor de ouvido, onde o sapateiro não sabe usar ou, pior, que o equipamento não protege.

Em outras palavras, embora a saúde não tenha preço, o adicional de insalubridade visa compensar os riscos à saúde enfrentados por esses profissionais, garantindo uma remuneração adequada diante das condições de trabalho específicas.

Outra saída encontrada por muitas empresas é a modificação de produtos ou máquinas. Por exemplo, algumas fábricas têm substituído a tradicional cola de sapateiro por uma outra à base de água ou utilizando produtos menos tóxicos. Outro investimento nesse sentido é a utilização de máquinas mais modernas, que emitem menos ruído ou que soltam menos poeira.

Finalmente, a insalubridade também depende da frequência e intensidade da exposição a agentes nocivos, como a cola de sapateiro, produtos químicos, calor, ruído etc. Cada caso deve ser avaliado individualmente, considerando as condições específicas de trabalho.

Dessa forma, é importante ressaltar que o adicional de insalubridade está relacionado à exposição direta do trabalhador a agentes nocivos à saúde no ambiente de trabalho. No caso de um embalador de calçados ou de alguém que trabalha no almoxarifado, por exemplo, que não está diretamente exposto a esses agentes, o direito ao adicional de insalubridade é menos provável. Vamos entender por quê:

- Exposição direta e indireta: O adicional de insalubridade é concedido quando o trabalhador está diretamente exposto a agentes insalubres, como produtos químicos ou ruído excessivo. No exemplo do embalador de calçados ou almoxarife, ele não está manuseando a cola ou operando máquinas ruidosas diretamente, mas apenas trabalhando no mesmo ambiente.

- Critérios para o adicional: Para ter direito ao adicional de insalubridade, é necessário que o trabalhador esteja em contato constante com os agentes insalubres. Assim, a exemplo, a proximidade com colegas que manuseiam cola ou máquinas ruidosas não é suficiente para garantir o adicional.

- Atividades específicas: O embalador de calçados, cuja função é apenas embalar os sapatos prontos, não realiza atividades diretamente insalubres. O mesmo raciocínio vale para quem trabalha no almoxarife.

A conclusão é de que o adicional é mais comum para profissionais que lidam diretamente com a cola, máquinas barulhentas ou outros agentes prejudiciais. Mesmo que o trabalhador esteja próximo de alguém que passa cola ou de alguma máquina que faz barulho, pode ser que não faça jus ao recebimento do adicional.

Todavia, é importante que cada caso seja avaliado individualmente, considerando as atividades específicas e a legislação vigente. Por isso, a ajuda de um advogado especialista pode ajudar na busca exata do direito, tanto para o empregador como para o empregado.

4. Alerta para o empregador e para o sapateiro
Se você é empregador ou se você é empregado fique atento.

O empregador que paga o adicional de insalubridade pode deixar de pagar, desde que tome as medidas adequadas, conforme acima demonstrado.

O empregado que não recebe(u) e teria direito ao adicional, pode buscar esses valores dos últimos 5 anos, lembrando que terá até 2 anos depois que deixar o seu emprego. Se passar de 2 anos que deixou o emprego, mesmo que ainda esteja dentro dos 5 anos, poderá não receber nada se ficar inerte.

De qualquer maneira, tanto para quem é dono de indústria de calçados, como para quem é sapateiro, é importante contar com a ajuda de um advogado, especialista, de sua confiança, para garantir seus direitos e evitar qualquer tipo de prejuízo ou abuso, presente ou futuro.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista em direito previdenciário

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