OPINIÃO

É possível aposentar antes dos 55 anos?

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 9 min

Recentemente, o governo fez um grande estardalhaço sobre uma “nova” possibilidade de se aposentar aos 55 anos de idade, mas será que é uma conquista tão recente assim ou uma realidade distorcida? Será que estamos diante de um avanço social ou de uma “cortina de fumaça” que esconde uma realidade menos lisonjeira? Será que é possível aposentar antes dos 55 anos? De que forma?

1. A Reforma Previdenciária de 2019: um retrocesso disfarçado
Em 2019, o Brasil testemunhou uma das mais significativas reformas no sistema previdenciário. Com a promessa de modernização e equilíbrio das contas públicas, a reforma introduziu a exigência de uma idade mínima para as aposentadorias e, praticamente, extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição.

Todavia, ao analisarmos as entrelinhas, percebemos que essa mudança trouxe mais do que simples números e datas; trouxe um fardo pesado para os ombros dos trabalhadores.

Abre-se um parêntese aqui. O atual Ministro da Economia, Fernando Haddad, nesta semana ressaltou que se a Reforma Tributária não for aprovada pelo Congresso da forma como o governo pretende, dentro de 3 a 5 anos terá que ser feita uma nova Reforma Previdenciária, sacrificando, ainda mais os trabalhadores.

De um modo geral, as mudanças de normas previdenciárias trazidas pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, inclusive suas regras de transição, prejudicaram demasiadamente o trabalhador ao exigir-lhe uma determinada idade para se aposentar, ou um tempo a mais (pedágio) ou a combinação das duas coisas (determinada idade e um tempo a mais, como acontece na regra de transição da “pontuação”, por exemplo).

2. Que regra “nova” é essa de aposentar com 55 anos anunciada pelo governo?
Na verdade, não se trata de nenhuma novidade... O governo fala do projeto de lei complementar 42, que pretende reduzir a idade mínima prevista na Reforma da Previdência para concessão de aposentadoria especial (popularmente também chamada de “aposentadoria por insalubridade”). Porém, isso já estava na própria reforma de 2019.

É importante destacar, que antes de 13/11/2019 (data da Reforma Previdenciária) a aposentadoria especial não tinha uma idade mínima para se aposentar. Ou seja, os trabalhadores expostos a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde ou integridade física poderiam se aposentar com menos tempo de trabalho: com 15 anos, 20 anos ou 25 anos de serviço – dependendo do grau de nocividade de trabalho.

Entre as profissões que podem ter direito à aposentadoria especial estão: Aeroviários (inclusive de serviço de pista); Auxiliares de enfermagem; Auxiliares de tinturaria; Bombeiros; Britadores; Carregadores de explosivos e rochas; Cavouqueiros; Cirurgiões; Curtumeiros; Dentistas; Eletricistas; Encarregados de fogo; Enfermeiros; Engenheiros químicos, metalúrgicos e de minas; Estivadores; Extratores fósforo e mercúrio; Foguistas; Fundidores de chumbo; Químicos industriais (inclusive toxicologistas); Maquinistas de trem; Médicos; Mergulhadores; Metalúrgicos; Mineiros (inclusive de superfície ou subsolo); Moldadores de chumbo; Motoristas de ônibus; Motoristas de caminhão; Técnicos em laboratórios; Técnicos de radioatividade; Transportes ferroviários, urbanos e rodoviários; Tratoristas; Operadores de raio X, câmaras frigoríficas ou britadeiras; Perfuradores; Pintores; Recepcionistas (telefonistas); Sapateiros; Serviços gerais que trabalham sob condições insalubres; Soldadores; Supervisores e Fiscais de áreas; Tintureiros; Torneiros mecânicos; Trabalhadores de construção civil; Trabalhadores em túneis, galerias alagadas ou subsolo; Vigilantes e seguranças; Entre outros.

Em outras palavras, quanto mais nociva a atividade, mais cedo o segurado poderia se aposentar. Antes da Reforma Previdenciária, um homem que trabalhasse na coleta de lixo (atividade extremamente nociva, que permitiria aposentar com 15 anos de tempo de serviço), por exemplo, poderia se aposentar após esse tempo, pouco importando a sua idade. Assim, se ele começasse a trabalhar com 20 anos de idade, aos 35 anos de idade já poderia ter direito a aposentadoria especial.

Com a Reforma Previdenciária de 2019, a aposentadoria especial passou a exigir TAMBÉM uma idade para aposentar, ficando assim:

  • 15 anos de atividade especial + 55 anos de idade para atividades de alto risco;
  • 20 anos de atividade especial + 58 anos de idade para atividades de médio risco; e
  • 25 anos de atividade especial + 60 anos de idade para atividades de baixo risco.

Neste ponto a Reforma Previdenciária foi cruel.

Imagine-se na pele daquele trabalhador do exemplo anterior que, desde jovem, dedicou-se a uma profissão de alto risco, como a coleta de lixo, exposto diariamente a agentes nocivos. Antes da reforma, após 15 anos de contribuição, ele poderia reivindicar seu direito à aposentadoria. Agora, ele deve esperar até os 55 anos. Pergunta-se: é justo? É humano exigir que continue a se expor a tais riscos por mais duas décadas?

Dessa maneira, aquilo que foi anunciado com alarde pelo governo, como se fosse algo “maravilhoso” não é nada de diferente do que está valendo desde 2019 e que, na verdade, não beneficia em nada o trabalhador. Ao contrário, prejudica (e muito) quem trabalhou exposto a atividades especiais/insalubres, na medida em que lhe exige determinada idade para se aposentar.

No entanto, há situações em que é possível aposentar antes (algumas com cálculos até melhores), mas que, aparentemente, não há interesse de nossos governantes em divulgar tais alternativas.

3. As alternativas “esquecidas” pelo governo para poder se aposentar antes
O governo falha em comunicar que a aposentadoria especial aos 55 anos para quem exerce atividade especial não é a única opção.

Existem caminhos alternativos encampando o trabalhador comum (ou seja, para quem não exerce atividade especial/insalubre), como o direito adquirido antes da Emenda Constitucional nº 103/2019, as regras de transição, a aposentadoria rural, as condições especiais para pessoas que possuem algum tipo de barreira etc.

Pergunta-se: por que essas alternativas não são divulgadas com o mesmo vigor?

Vamos entender as principais delas:

a) Direito adquirido antes da Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma Previdenciária): todo segurado que cumpriu os requisitos para se aposentar pelas regras antigas, isto é, antes de 13/11/2019, mesmo que faça o pedido hoje, poderá optar em se aposentar pelas regras anteriores. Nesse caso, por exemplo, se a pessoa for se aposentar por tempo, não importa a idade. Uma mulher, que trabalhava desde os 15 anos de idade, ininterruptamente, após 30 anos de serviço, aposenta-se com 45 anos de idade, se esse tempo foi atingido antes de 13/11/2019.

b) Regras de transição: quem estava próximo de se aposentar quando veio a Reforma da Previdência, pode conseguir se aposentar. Entre as regras de transição, existe uma que fala em pedágio de 50% do tempo faltante no dia 13/11/2019, sem a necessidade de idade mínima. Exemplificando: imagine um homem com 52 anos de idade e que faltava apenas 6 meses para cumprir o tempo necessário para se aposentar quando veio a reforma. Neste exemplo, em 9 meses ele poderá se aposentar (talvez, ainda com 52 anos de idade).

c) Trabalhadores rurais: De um modo geral, quem trabalhou na zona rural e pretende se aposentar por idade, não será aos 62 anos de idade (mulheres) ou 65 anos de idade (homens). Será aos 55 anos de idade (mulheres) e 60 anos de idade (homens), bastando provar que trabalharam na roça. Uma outra situação é poder aproveitar o tempo rural (mesmo que não tenha havido contribuições para a Previdência Social – vale também para quem trabalhou na infância, junto com a família) para somar com o tempo urbano e conseguir a aposentadoria híbrida. Nessa hipótese, pode ser que o segurado consiga “escapar” da Reforma da Previdência e ter adquirido o direito de se aposentar antes de 13/11/2019 ou encaixar em alguma regra de transição mais vantajosa.

d) Pessoas com algum tipo de “barreira” ou “sequela” que não impede de trabalhar ou exercer as atividades do dia a dia, mas atrapalha. Pessoas que tem algum tipo de dor, fez algum tipo de cirurgia, tem alguma doença ou sequela, deficiência ou qualquer outra limitação pode antecipar a aposentadoria em razão de uma Emenda à Constituição de 2005 e uma Lei do ano de 2013. Elas podem aposentar por tempo de contribuição até 10 anos antes (isto é, homens a partir de 25 anos de tempo de contribuição e mulheres a partir de 20 anos de contribuição), não importando a idade. Caso a opção seja aposentar por idade, a idade pode ser reduzida para 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens). Essas barreiras não significam, necessariamente, uma incapacidade. No entanto, quem está inapto para o trabalho (pouco importando se ficou ou não em gozo de algum benefício do INSS) também é um forte candidato a essa modalidade de aposentadoria.

e) Benefício por Incapacidade Permanente (aposentadoria por invalidez): Não precisa de uma idade mínima, desde que implementados os requisitos para isso. Assim, por exemplo, se o jovem de 18 anos começou a trabalhar em um dia e no dia seguinte sofre um acidente deixando-o tetraplégico e ficando total e permanentemente incapaz, terá direito de se aposentar – pouco importando sua idade e/ou tempo de contribuição.

f) Outras situações: Além das situações retromencionadas há diversas outras que podem antecipar a aposentadoria. Os professores, por exemplo, podem ter a aposentadoria antes (inclusive, pelas regras de transição). Além disso, também podem ter direito aqueles que têm algum tempo que não aparece no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) do INSS, como por exemplo, quem trabalhou sem registro em carteira ou ingressou com ação trabalhista, ou fez o tiro de guerra etc.

4. Reflexões e Questionamentos
Muitos dos benefícios e situações que apontamos aqui estão no próprio Portal do INSS. No entanto, nem sempre tão fáceis de localizar e/ou em uma linguagem acessível para todo mundo. Por que situações que podem beneficiar as pessoas não são apresentadas tão claramente para a população?

Por que será que o governo escolhe destacar apenas uma parte da realidade previdenciária? Será que há uma tentativa de mascarar as dificuldades impostas pela reforma, apresentando-as como benefícios recém-criados? Como podemos aceitar que a saúde e a integridade física dos trabalhadores sejam tratadas como moeda de troca em jogos políticos?

Às vezes dá a impressão de que nossos governantes querem o indivíduo mais tempo pagando do que recebendo do INSS e querem fazer acreditar que todas as “novas” dificuldades são coisas boas.

Se o atual governo realmente estivesse preocupado em garantir melhores condições para o trabalhador se aposentar, deveria retirar a idade mínima introduzida pelo governo antecessor na Reforma Previdenciária de 2019 (e não enaltecer essa idade mínima, como se fosse algo bom e de sua própria criação).

Assim, a aposentadoria aos 55 anos apresentada como um “excelente negócio”, está longe de ser uma novidade ou um presente do governo atual ou do antecessor... É uma realidade complexa, que merece ser analisada com olhos críticos e conscientes. Em caso de dúvida, busque sempre o auxílio de um advogado especialista em Direito Previdenciário, de sua confiança, que possa orientá-lo através dos labirintos burocráticos e garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados permitindo que você possa ter o melhor benefício.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista em direito previdenciário

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