OPINIÃO

Vão esperar isso se repetir?

No ano passado, a região de Franca viveu cenas apocalípticas durante o período de estiagem. Leia o artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 10/07/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

O inverno começou no último dia 21 e, com ele, a época mais seca do ano em Franca. Não há quem não tenha percebido a mudança no ar. Para quem tem problemas respiratórios, o clima seco é terrível. Já para quem trabalha no campo, esse período é sinônimo de prejuízo. Este ano, a estiagem está sendo especialmente severa. De acordo com dados da Defesa Civil, junho registrou menos de um terço da média de chuvas esperada para o mês inteiro. Choveu em apenas dois dias do mês passado, somando pouco mais de 5,8 milímetros de precipitação. A expectativa para os próximos meses não é mais animadora.

Com a secura, vários problemas e consequências ambientais, econômicas e para a saúde da população veem juntos. O tempo seco é mais propício para a ocorrência e disseminação de incêndios e queimadas, sobretudo nas áreas rurais. Além disso, reduz o volume dos rios e outras fontes de recursos hídricos, afetando o abastecimento de água. Essa época também costuma registrar geadas devido às baixas temperaturas durante o inverno, prejudicando as lavouras.

No ano passado, a região de Franca viveu cenas apocalípticas durante o período de estiagem. Com os focos de incêndio se multiplicando, a zona rural de Batatais e Restinga foi consumida por grandes queimadas, afetando propriedades rurais inteiras e seus ecossistemas. A fumaça desses incêndios cobriu a região de fumaça por semanas, prejudicando a qualidade do ar e a respiração da população. Não fosse o suficiente, a redução no volume das águas do Rio Canoas, principal fonte de abastecimento de Franca, obrigou ainda a cidade a racionar água e adotar um rodízio no fornecimento para os bairros.

Mas o que ninguém podia prever foi a ocorrência de um evento raro, típico do Deserto do Saara, chamado haboob e melhor conhecido entre nós como tempestade de terra. As imagens de uma quilométrica massa de poeira engolindo a cidade de Franca viraram notícia no Brasil e no mundo inteiro. Mas por que um fenômeno típico de regiões desérticas teve lugar aqui, numa região localizada na fronteira entre a Mata Atlântica remanescente e o Cerrado?

Somente a degradação violenta dos nossos recursos naturais é capaz de explicar esse tipo de evento. De acordo com especialistas, o haboob que aconteceu em Franca e outras regiões do estado foi causado por uma soma de fatores, dentre eles o tempo seco e a deterioração do uso do solo por práticas agrícolas inadequadas.

Todos esses eventos extremos estão relacionados com o processo global de mudanças climáticas, que vem chamando atenção e despertando mais preocupação a cada ano. O aumento da temperatura do planeta Terra, devido à concentração de gases poluentes na atmosfera que geram o efeito estufa, é responsável pela ocorrência de fenômenos ambientais preocupantes, como o degelo e o consequente aumento do nível dos mares, que provocam inundações, as secas de regiões inteiras e a maior ocorrência de queimadas e em maior intensidade – assim como de chuvas.

O fenômeno do aquecimento global e as mudanças climáticas têm origem na ação humana, sobretudo na emissão de gases poluentes e na devastação dos nossos recursos naturais, e exigem respostas globais, como a mudança das matrizes energéticas para fontes limpas. Mas eles já são uma realidade e estão produzindo seus efeitos desde já, como os eventos que nossa região presenciou no ano passado. Por isso, é também papel das nossas autoridades locais se antecipar para prevenir, minimizar e, se possível, frear seus efeitos.

A conclusão, em maio, das obras do sistema de abastecimento de água do Rio Sapucaí-Mirim pela Sabesp afasta o risco de desabastecimento e de novos racionamentos pelo próximo ano, o que é uma boa notícia. Mas é preciso fazer mais, a começar por combater os focos de queimadas e ações dos incendiários, o que passa por reforçar a fiscalização, como também o uso inapropriado e predatório do solo.

Apenas uma mudança completa da lógica de exploração aos nossos recursos naturais será capaz de reverter a crise climática que já está instalada. Ela é urgente e dela dependerá o futuro da nossa espécie e da vida no planeta Terra. Enquanto isso, as prefeituras da região irão esperar as cenas que vimos no ano passado se repetirem ou vão se antecipar para evita-las ou, ao menos, minimiza-las?

Guilherme Cortez é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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