OPINIÃO

17 de abril

O nome do assentamento 17 de Abril homenageia as vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido neste mesmo dia no ano de 1996. Leia o artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 17/04/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Quis o acaso que o domingo de Páscoa deste ano caísse em um 17 de abril. Para muitas pessoas apenas um dia normal, não mais especial do que os outros 365 do ano, mas para os assentados na antiga Fazenda Boa Sorte, em Restinga, é a data que nomeia o maior assentamento da região.

O nome do assentamento 17 de Abril homenageia as vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido neste mesmo dia no ano de 1996. Vinte e seis anos atrás, 19 sem-terra que estavam acampados na cidade paraense de Eldorado dos Carajás foram mortos a tiros pela Polícia Militar estadual. O episódio ganhou repercussão nacional e internacional e se tornou um marco da luta pela reforma agrária no Brasil.

Vinte e seis anos após os acontecimentos em Eldorado dos Carajás, o Brasil ainda tem uma dívida aberta com os sem-terra. Herança da colonização, a estrutura fundiária brasileira –isto é, a forma como são divididas as terras no país– é essencialmente desigual. Enquanto um punhado de grandes fazendeiros concentra a maior parte do meio rural do Brasil, detendo propriedades imensas, a maioria das pessoas que vive e trabalha no campo tem que se contentar com um pequeno terreno para produzir –quando muito.

Apesar da industrialização e da maioria da população brasileira viver em ambientes urbanos hoje, o Brasil continua profundamente marcado pela desigualdade de terras. Não é à toa que a bancada ruralista, que representa os interesses dos grandes proprietários de terras no Congresso Nacional, é uma das maiores e mais poderosas do país, encampando pautas como a liberação de agrotóxicos, a restrição das terras indígenas e a flexibilização da legislação ambiental.

Um fato que pouca gente sabe é que a maioria dos alimentos que são consumidos nas cidades, como aqueles comprados no mercado ou na feira, é produzido por pequenos produtores e assentados, enquanto os grandes proprietários rurais se dedicam a exportar para fora do país. A lógica que predomina nessas grandes propriedades, portanto, é voltada para a produção em grande escala para a exportação, mantendo práticas ultrapassadas como a monocultura, que prejudica o solo, exaure os recursos naturais e requer o uso de mais fertilizantes e pesticidas, e o emprego indiscriminado de agrotóxicos que agridem a saúde e o meio ambiente. Também são nessas propriedades que, vez ou outra, são encontradas pessoas trabalhando em situação análoga à escravidão, como aconteceu no ano passado em fazendas de Pedregulho e Ituverava.

Na contramão, os movimentos que reivindicam uma distribuição mais equilibrada das terras e a mudança na forma como se produz no país, priorizando a soberania alimentar e a preservação do meio ambiente, são historicamente alvo de perseguição e violência. O caso de Eldorado dos Carajás é apenas o mais emblemático e conhecido dentre tantos que fazem do Brasil um dos países que mais registra assassinatos no campo. Os povos indígenas têm sido um dos alvos preferenciais desse tipo de violência. Suas terras, protegidas por lei, são entraves para a expansão predatória do agronegócio e da mineração.

Apesar de toda a estigmatização, o assentamento 17 de Abril e o acampamento Irmã Dorothy, ambos em Restinga, contribuem muito para a alimentação dos moradores da nossa região, fornecendo produtos orgânicos que são consumidos em feiras, restaurantes, mercados e até nas escolas, além de realizar projetos de reflorestamento, agroecologia e educação alimentar. São também os principais atingidos pelos efeitos da crise ambiental que vivenciamos na região. Durante as fortes queimadas que enfrentamos no segundo semestre do ano passado, o 17 de Abril foi severamente afetado, perdendo plantações, animais e até casas.

Que nesta Páscoa lembremos das pessoas inocentes que perderam a vida no Massacre de Eldorado dos Carajás e dos homens e mulheres que produzem os alimentos que comemos todos os dias.

Guilherme Cortez é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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