OPINIÃO

Não é seguro ser mulher em Franca

O 8 de março que se avizinha será um dia de especial reflexão em Franca. Essa data marca o Dia Internacional das Mulheres, que para alguns é um momento de presentear e homenagear aquelas que se admira.

Por Guilherme Cortez | 06/03/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para GCN

O 8 de março que se avizinha será um dia de especial reflexão em Franca. Essa data marca o Dia Internacional das Mulheres, que para alguns é um momento de presentear e homenagear aquelas que se admira, mas cuja origem remonta às manifestações das operárias russas no dia 8 de março de 1917 contra a fome, a guerra e por melhores condições de trabalho. Por aqui, será um dia especialmente importante porque a cidade vem registrando com uma frequência assustadora casos bárbaros de violência contra as mulheres. Solange, Guislene, Janaína, Maria Lúcia, Jéssica e Thábata são os nomes de apenas algumas vítimas que o machismo e a misoginia fizeram em Franca nos últimos anos e, com o tempo, vão se tornando estatísticas.

Violência e opressão de gênero não são uma realidade exclusiva de Franca, mas os dados locais surpreendem. Em 2021, os casos de feminicídio cresceram 50% na cidade. O número de medidas protetivas também aumentou: 198 foram expedidas no ano passado – um crescimento de 47,82% só entre os meses de janeiro a outubro. Voltando mais um ano no tempo, em 2020 foram registradas 757 denúncias de violência contra a mulher. O instituto Escuta Ativa, que atua no acolhimento a mulheres vítimas de violência na região, já realizou pelo menos 270 atendimentos desde que foi criado há apenas um ano.

A maioria desses casos têm em comum agressões brutais e o envolvimento de maridos, companheiros ou figuras próximas. Via de regra, são parceiros que não se conformam com o fim do relacionamento ou se veem no direito de agredir ou tirar a vida de sua companheira em um acesso de raiva. Mas se engana quem pensa que as mulheres só convivem com a insegurança nessas situações. Dentro do transporte público, no caminho para a escola ou para o serviço, no ambiente de trabalho, em festas e até dentro de casa, há relatos de violências física, verbal, moral, psicológica, sexual e patrimonial praticadas contra elas.

A situação da região da Unesp é uma das mais emblemáticas. Há anos, estudantes e moradoras denunciam os assédios constantes que ocorrem nos bairros, sem que nada seja feito por parte da Prefeitura. No ano passado, a Câmara sequer cumpriu a promessa de convocar uma audiência pública para discutir a insegurança na região, após mais um caso brutal de violência sexual. Casos de homens perseguindo mulheres nas ruas ou dentro de carros, se masturbando e importunando alunas da faculdade são recorrentes. As ruas do bairro são mal iluminadas, terrenos baldios ficam descuidados e nenhuma ronda especial combate esse tipo de ocorrência.

O quadro de violência contra as mulheres em Franca é hoje o maior problema da cidade, porque estamos muito distantes de qualquer limiar de civilidade. Esse não é um problema só delas, mas que precisa ser encarado e enfrentado por toda a população e pelas autoridades municipais.

O machismo é estrutural na nossa sociedade e fundado nas relações de desigualdade entre homens e mulheres. É a base para que mulheres recebam menos que seus colegas para desempenhar as mesmas funções, meninos e meninas sejam condicionados desde a infância a cumprirem papéis pré-estabelecidos (usar rosa, brincar de boneca e simular atividades domésticas para elas, usar azul e brincar com armas de brinquedo para eles), para que a participação de mulheres nos espaços políticos seja infinitamente menor do que de homens e, no extremo, que eles se sintam no direito de decidir sobre seus corpos e suas vidas. A violência física e o feminicídio são apenas as expressões mais explícitas desse sistema de opressão que atinge com ainda mais intensidade as mulheres negras, transexuais, mais pobres e com deficiência.

A punição dos agressores é fundamental para que esses casos não fiquem impunes e que a brutalidade não seja naturalizada, mas não resolve o problema por si só. É preciso garantir que nenhuma outra mulher venha a ser vítima de violência, o que depende de um conjunto de políticas públicas integradas, passando pela identificação e acolhimento de mulheres em situação de risco, campanhas educativas, equiparação salarial com os homens, investimento na Delegacia da Defesa da Mulher e capacitação da Guarda Civil para intervir nesses casos.

Para exigir justiça para as vítimas da violência na cidade e chamar atenção para que casos como esses nunca mais voltem a acontecer, entidades do movimento feminista estão marcando uma vigília em frente a Concha Acústica na terça-feira (8), às 19h. Uma manifestação como essa deveria reunir, no mínimo, todas as pessoas que ainda têm humanidade suficiente para se indignar com cada nova notícia de uma mulher assassinada na cidade que lemos nos jornais.

Guilherme Cortez é advogado

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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