OPINIÃO

Região em chamas

Por Guilherme Cortez | especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min
Os incêndios em série interferiram nas linhas de energia elétrica e telefonia, deixando parte da população sem água, luz, telefone e internet.
Os incêndios em série interferiram nas linhas de energia elétrica e telefonia, deixando parte da população sem água, luz, telefone e internet.

Na semana que passou, a região de Franca pareceu viver o cenário de algum filme pós-apocalíptico. Além do racionamento de água decorrente da seca do Rio Canoas, anunciado pela Sabesp no final de agosto, nossa região sofreu com severas queimadas que devastaram áreas verdes, cobriram o céu com fumaça e tornaram o ar praticamente irrespirável. Os incêndios em série interferiram nas linhas de energia elétrica e telefonia, deixando parte da população sem água, luz, telefone e internet.

O final do inverno costuma ser um período muito seco na região. Ano após ano, os episódios de incêndios e queimadas têm se tornado cada vez mais recorrentes. Mas nunca vimos cenas tão alarmantes quanto na última semana.

Os grandes focos de incêndio começaram em Batatais e se espalharam pela Cândido Portinari, até atingir Restinga, na divisa com Franca. Fazendas inteiras foram destruídas no caminho do fogo. O Assentamento 17 de Abril foi gravemente atingido, casas, plantações e animais foram perdidos e os moradores passaram a madrugada de quinta para sexta-feira abrigados no ginásio da cidade.

A conjugação de duas tragédias ambientais sem precedentes na região – a falta d’água e as queimadas de grandes proporções – chamaram a atenção e deixaram a população e as autoridades em alerta para futuros acontecimentos. Afinal, desastres como esses têm sido recorrentes em todas as regiões do mundo. E, segundo o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas da ONU, se mantida a atual tendência de aquecimento global as consequências para os próximos anos serão ainda mais graves.

Muitas pessoas pensam que as queimadas são fruto, exclusivamente, da ação irresponsável de incendiários que ateiam fogo em áreas rurais. De fato, há muitas pessoas que praticam esse péssimo costume, que é crime sujeito a pena de dois a quatro anos de prisão segundo a Lei de Crimes Ambientais. As Prefeituras e as polícias ambientais precisam intensificar a fiscalização para coibir esses atos, mas dependem de recursos para tanto. No entanto, a onda de incêndios que estamos vivendo faz parte de um processo mundial relacionado ao aquecimento do planeta Terra, à emissão desenfreada de poluentes na atmosfera e à ação desastrosa de administrações coniventes com a devastação ambiental, como o atual governo brasileiro.

As imagens de ursos polares boiando em cima de calotas de gelo derretendo, tufões e inundações que arrasam cidades inteiras parecem seguramente distantes da nossa realidade, mas não são. O hemisfério sul do planeta, onde se encontra o Brasil, é a região mais atingida pelos efeitos das mudanças no clima. Não veremos ursos brancos naufragando por aqui, mas queimadas cada vez maiores, secas mais prolongadas, o comprometimento da qualidade do ar, aumento das temperaturas e a falta de alimentos.

Da mesma forma como vimos em relação à pandemia, há quem busque combater esse fenômeno ignorando sua existência. Mas da mesma forma como essa atitude não impediu a disseminação do coronavírus – pelo contrário: o ajudou a se espalhar –, os negacionistas climáticos não só não detêm a ocorrência de queimadas, secas e outras consequências do aumento da temperatura global, como também desviam o foco das medidas a serem tomadas para reverter esse processo.

O aquecimento global será o principal desafio da nossa espécie nos próximos anos. A mudança coletiva da nossa postura ambiental não é uma escolha, mas uma necessidade diante dos riscos colocados para o nosso futuro e sobrevivência. A redução das emissões de poluentes na atmosfera é uma medida urgente e depende da substituição do petróleo e do carvão por fontes energéticas limpas, do reflorestamento das áreas verdes, da proteção dos rios e mares e da interrupção da exploração desenfreada dos recursos naturais.

Nossos passos, no entanto, estão indo no caminho oposto. Logo após o anúncio do racionamento de água em Franca, os vereadores se reuniram para discutir a redução da proteção ao Rio Canoas. Na semana passada, avançou o projeto de mudança do Código Municipal de Edificações, que pode reduzir as áreas verdes remanescentes na cidade. Medidas como essas vão definir se os acontecimentos dos últimos dias vão ser mais ou menos frequentes na nossa região pelos próximos anos.

Guilherme Cortez é advogado e ativista político.

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