Ensino à distância é uma cilada e a pandemia escancarou isso

Só o tempo mostrará as consequências de tantos meses de pandemia para a educação dos nossos jovens. Retomar as aulas presenciais sem a vacinação de toda a comunidade escolar, como pretendem alguns governantes, é colocar em risco a vida de alunos, pais, funcionários e professores

Por Guilherme Cortez | 09/05/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Num longínquo mundo pré-pandêmico, quando máscaras eram apenas acessórios excêntricos de festas à fantasia e somente uma porção restrita de pessoas já tinha ouvido falar em um coronavírus, muito se discutia e apostava na implementação de uma série de mecanismos tecnológicos que dispensariam elementos até então considerados insubstituíveis nos processos de ensino, como salas de aula físicas, lousas e quem sabe até mesmo professores de carne e osso.

Esses recursos e ferramentas altamente informatizados (ou nem tanto) prometiam atualizar as nossas escolas e universidades a um mundo cada vez mais tecnológico e digital. Cadernos poderiam ser trocados por tablets e computadores, longas e tediosas aulas poderiam ser assistidas do conforto do lar (economizando recursos com a manutenção de espaços físicos) e cursos de idiomas poderiam ser substituídas por aplicativos, repetição de sons e inteligência artificial. Os promotores desses novos métodos anunciavam a chegada do futuro à educação – ou da educação ao futuro.

Em Ribeirão Preto, nossos vizinhos foram com ainda mais sede ao pote do “futuro” e o prefeito reeleito Duarte Nogueira anunciou em 2017 o projeto “Professor Delivery”, também conhecido como “Uber da Educação”, por meio do qual professores sem vínculo com a Prefeitura poderiam ser convocados por celular com uma hora e meia de antecedência para darem aulas na rede municipal de ensino. Isso mesmo: sem preparo, conhecimento ou relação prévia com os alunos. Praticamente um episódio de Black Mirror, né?

Entusiasmada com a possibilidade de substituir o ensino nas escolas, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, encampou a defesa do homeschooling (ou educação doméstica), método por meio do qual os alunos são educados de dentro de casa pelos próprios pais, por professores particulares ou pela internet, e se comprometeu a lutar pela sua regulamentação no Brasil.

Então veio a pandemia. Milhões de crianças, adolescentes, estudantes universitários e professores foram obrigados a se isolar para evitar a contaminação por um vírus altamente transmissível e transferir suas dinâmicas de ensino para dentro de casa. Quartos, salas e escritórios viraram salas de aula, conectadas através de telas de computador. Na ausência física dos professores, mães e pais se tornaram responsáveis por ajudar os filhos nas lições e acompanhar as aulas, acrescentando essa tarefa às suas próprias rotinas de trabalho, sejam presenciais ou remotas.

Da noite para o dia, toda a promessa daquelas tecnologias supostamente milagrosas foi colocada à prova por milhões de pessoas de uma vez só. E o resultado não foi tão “futurístico” quando se esperava.

Distantes dos seus professores e colegas, assistindo palestras gravadas ou ao vivo, muitos estudantes passaram a enfrentar dificuldades ainda maiores para se concentrar nos estudos e interagir com as aulas. As taxas de abandono escolar dispararam. Desacostumados, professores e coordenadores pedagógicos tiveram que adaptar suas casas para oferecer aulas, dominar câmeras e microfones e inventar novas formas de absorver a atenção dos alunos, além de investir os próprios salários na compra dos novos equipamentos de trabalho (computadores e telefones modernos e cheios de memória interna) e extrapolar suas jornadas, pacotes de internet e faturas de celular atendendo pais e filhos até altas horas da noite.

Isso ainda sem falar do gritante déficit de acesso às tecnologias digitais no Brasil, país de dimensões continentais marcado por uma profunda desigualdade social. A internet de banda larga fixa, por exemplo, não é uma realidade para milhões de estudantes brasileiros, cujo direito à educação (garantido pela Constituição) passou a ser, na prática, negado durante as aulas remotas. Ao contrário do que muitos pensam, essa não é uma realidade distante, restrita a regiões distantes do país, mas de meninos e meninas que moram nos bairros e na zona rural da nossa cidade e não tem acesso à internet, aos materiais impressos das escolas e nem a um ambiente doméstico que permita acompanhar as aulas. Quem se responsabiliza pela formação desses jovens?

As novas tecnologias são muito bem-vindas para aprimorar as formas de ensino. Não sou nem de longe uma pessoa apegada ao passado. Acredito que o que está ultrapassado tem que ser substituído sem remorso. Mas a pandemia mostrou que nenhuma tecnologia existente hoje substitui um professor, uma lousa, uma sala de aula e as interações escolares.

Só o tempo mostrará as consequências de tantos meses de pandemia para a educação dos nossos jovens. Retomar as aulas presenciais sem a vacinação de toda a comunidade escolar, como pretendem alguns governantes, é colocar em risco a vida de alunos, pais, funcionários e professores, o que é completamente inadmissível. O ensino à distância é uma necessidade nesse momento de pandemia, mas deve ser superado assim que o retorno às aulas presenciais for seguro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.