Lixos x Luxos


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Psicólogos, estudiosos da mente humana, fisiologistas, terapeutas, todos estão errados. A adolescência não é apenas fase de transição, mera passagem da vida infantil para a maturidade, mera pinguela ou ponte. A missão do adolescente transcende essa função. O adolescente é espécie de ser criado especialmente para desafiar pais, quebrar estruturas, colocar adultos em choque e xeque, em confronto com velhas maneiras de pensar.

Nenhum pai, nenhuma mãe continua com antigas filosofias, depois de passar pela experiência de ter adolescente em casa. E nenhum professor, ou professora, mesmo os mais calejados, sabem extamente como agir a cada ano ou cada vez que encaram classe cheia de  gente de cara cheia de espinhas, descoordenada nos movimentos, que alterna momentos de profunda tristeza com outros de euforia, ou excesso de adrenalina. Adolescente que é adolescente nos faz questionar, para que reposicionemos, sobre o consideramos luxo ou lixo da nossa civilização, da nossa sociedade, da nossa cultura e o que nos dói mais, com relação a nós mesmos.

Luxo. Assim definimos a decência nas relações humanas; a consciência coletiva que nos faz responsáveis por todos os seres humanos; o valor do trabalho para cada um, para a comunidade, para o crescimento, para o desenvolvimento do país.  E eles tomam conhecimento do Lixo que permeia essas nossas atitudes, bem como das maquinações dos países ricos para manter o resto do mundo no breu. Ficam sabendo de seres humanos que vivem sob condições sub humanas de indignidade e pobreza. Percebem que dançarinas rebolativas ganham muito mais que seus pais, que dão um duro danado. E que, se a sorte ajudar, ficam ricos da noite para o dia, apenas jogando numa loteria qualquer.

Mostramos-lhes que os seres adultos, mais velhos se diferencisam dos demais, mais jovens, por já saberem das coisas. Somos sábios, sabemos resolver nossos problemas. Aliás, somos sábios porque evitamos os problemas. Mas a vida prática vai na contramão e lhes mostra pessoas adultas infantilizadas que correm atrás de milhões de compromissos que abominam. Que compram millhões de coisas que usam apenas uma vez ou nunca usam, coisas que ficam depositadas nos fundos dos armários e que não podem perder, pois lhes dão sensação de superioridade ou poder. O cotidiano lhes mostra seres adultos insatisfeitos por não terem tempo para coisas simples como visitar um amigo, cultivar uma planta. Nem mesmo desfrutar de seus palácios, ainda que sejam símbolos de uma vida de trabalho. Vida adulta é um lixo.

Um luxo, o discurso adulto sobre a contenção de impulsos destrutivos; nosso palavrório sobre violência e impunidade; sobre determinação de limites nas relações inter humanas. Um lixo nossas atitudes práticas: avançamos no sinal vermelho à menor desatenção dos guardas. Burlamos limites de velocidade nas estradas, entregamos carros para menores não habilitados. Subornamos leis e ficamos cegos aos ladrões públicos,  ao exigirmos punição dos ladrões de galinhas.

Um luxo, termos adolescentes em casa, mesmo que batam nos lugares mais improváveis do corpo ou da estrutura doméstica. Eles questionam, apontam erros, mostram incoerências, são éticos, são honestos.  Não se contêm às vezes, mas são transparentes quando pedem perdão. São provas da elasticidade das operações mentais. Do valor da hesitação. Operam milagres quando fazem o adulto sentir vergonha, nas vezes em que está reconhecidamente errado e não tem a humildade de pedir desculpas. Um lixo,  o mundo que estamos deixando para eles. Mundo poluído, sem saúde, de onde desapareceram espécimes vitais, mundo com doenças horríveis.

Um luxo, a forma como aceitam esse mundo que estamos deixando para eles: com determinação, confiança, coragem, tolerância e, ainda,  a certeza de que muito ainda podem fazer, por eles e por nós. Um luxo a possibilidade de desfrutarmos com eles parte do século XXI. Eles têm muito para nos ensinar nesta próxima Era de Aquarius.

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