'Comércio da Franca' - 98 anos: uma pequena grande história


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Corria o ano de 1977. Eu tinha apenas 15 anos e, pela primeira vez, entrava no Comércio da Franca. Com uma turma de estudantes da Escola “Ana Maria Junqueira”, fazia uma visita (na época, ainda não havia o projeto Jornal Escola). Nesta primeira visita, algo me chamou a atenção: o forte cheiro da tinta na gráfica, onde dominavam as três unidades da então poderosa Goss Community - a impressora do jornal, o pioneiro na impressão off-set no interior do Brasil, que funcionava desde o início daquela década no prédio da rua Ouvidor Freire. E este cheiro me marcou. Até hoje, quando entro na gráfica do Comércio, atualmente no imponente prédio do Jardim Ângela Rosa, o odor da tinta me atrai.

Em 1978, fiz um teste como revisor no mesmo jornal e não passei: o que sabe um garoto de 16 anos sobre Língua Portuguesa, correções e que tais? Embora sempre tenha sido um leitor ávido, ainda não tinha conhecimentos plenos que permitiriam minha contratação para a importante função. No mesmo ano, passei num teste na rádio Difusora (que décadas depois passaria a pertencer ao grupo). Por causa da idade, o teste foi para redator. Ainda não foi daquela vez que passaria a trabalhar diretamente com notícias.

Em abril de 1979, consegui o meu primeiro emprego com carteira assinada. Ao conversar com um dos então diretores do Diário da Franca, o saudoso José Edison de Paula Marques, o “Essinho”, fui chamado para fazer um teste como revisor. Ao dar a notícia em casa, um dos meus irmãos (Wilson, também de saudosa memória), questionou se eu teria que ler as matérias ao contrário e de cabeça para baixo - assim como ele, muita gente ainda acreditava que os jornais eram feitos com tipos de chumbo e que a revisão era feita direta no componedor (onde eram alinhados os tipos). Nem se tinha idéia de que existiam linotipos ou provas (impressão da matéria em papel para que as correções fossem feitas). Mas a coisa já estava mais adiantada do que ele pensava: a impressão off-set, que ainda hoje se usa, era o que havia de mais moderno na imprensa, cuja revolução apresentada por Johannes Gutenberg por volta de 1439 (o uso de tipos móveis) foi sucedida pelas linotipos e pela rotogravura, antes de desembocar na chamada impressão a frio.

No ano seguinte, tentei o Comércio de novo. Exatamente no dia 30 de junho de 1980, quando o Comércio completava 65 anos de existência, depois de uma conversa com o jornalista Corrêa Neves e um rápido teste realizado no sábado anterior, dia 28, cumpri meu primeiro dia de jornada. Meu contrato foi assinado no dia 1º de julho do mesmo ano. Tinha eu 18 anos e um mundo pela frente. Como revisor - que o jornalista Corrêa Neves preferia denominar “confrontador de texto”, com razão (eu tinha que conferir o texto digitado com o original) -, consegui aprender estrutura de redação, métrica de títulos e muitos outros truques e dicas que permitiram que eu conseguisse me tornar redator.

Naquele tempo, o Comércio já era considerado um dos mais modernos do País: ele tinha três composer IBM (com uma impressionante memória interna de cinco mil caracteres!), a tituleira Morisawa (usada só para fazer os títulos das matérias), duas fotomecânicas, uma horizontal e outra vertical (a Ravena, das mais modernas do mundo), além da gravadora de chapas e a já citada Goss Community, uma rotativa norte-americana que não ficava nada a dever às de jornais de portes grande e médio daquele tempo.

Quando, aos 21 anos (em 1983), assumi a edição do Comércio, já tinha passado por diversos setores e conhecia relativamente bem as funções de cada um deles. Tinha sido, além de revisor, pestapista (hoje arte-finalista), diagramador e redator (assumira a coluna de televisão da época, Tvendo, então publicada na página 2, sob o pseudônimo de Nei Ribeiro), além de já saber operar as composers. Como editor, aprendi a fotografar e revelar fotografias, pois o jornal não comportava, tanto física quanto financeiramente, uma equipe muito maior da que existia então. Nessa época, o jornal publicava oito páginas durante a semana e dez aos domingos. Poucos anos depois, com o aumento dos anúncios classificados - tínhamos um funcionário que os captava até as 23 horas, de segunda a sexta, e até as 18 horas aos sábados -, crescemos para 10 páginas durante a semana e 12 aos domingos.

Em pouco tempo, quando nos demos conta, estávamos fazendo 16 páginas (nove páginas de editorial e sete de classificados). No final da década de 1980, foram compradas novas composers, Forma, cuja memória comportava doze mil caracteres, permitindo a gravação dos textos em disquete. Eram e não eram computadores. Pareciam computadores, permitiam a gravação de textos, mas só serviam para isso. Nesta época já se começava a falar de computadores pessoais (surgiam os primeiros XT, uma revolução na época, mas hoje verdadeiras carroças). Em meados da década de 1990 (mais ou menos 1994 ou 1995), o volume de material que publicávamos já exigia um upgrade significativo. Foi quando tomei contato com os primeiros computadores com programas gráficos, desenvolvidos especificamente para jornais e gráficas.

Eram um XT e dois 286, estes os que havia de mais moderno na época. Com programas como Page Maker (em sua primeira versão, depois disso vieram seis ou sete), Corealdraw (segunda versão) e um programinha chamado Art & Letters - o qual permitiu a aposentadoria da tituleira Morisawa que já estava funcionando há 20 anos e nos últimos tempos funcionava aos trancos e barrancos. Sem que ainda tivéssemos (eu e os demais diagramadores) verdadeira noção do que fazíamos, o jornal virou uma miscelânea de tipos nos títulos (felizmente padronizamos com CG Times para os textos e Univers para classificados). Foi difícil acertar e chegar a uma tipologia mais uniforme. Aí, Júnior (jornalista Corrêa Neves Jr., hoje diretor executivo do GCN Comunicação), ainda adolescente, mas “antenado” e com grande pendor para o jornalismo, passou a comparecer diariamente à redação: além de implantar a segmentação dos anúncios classificados, passou a colaborar, com seu bom gosto e autodidatismo, com a feição gráfica do jornal. Começamos a também imprimir a cores, antes mesmo da chegada da primeira imagesetter responsável pela aposentadoria das fotomecânicas.

Foi quando o Comércio passou a crescer ainda mais. No final da década de 1990, com a informatização da redação e da captação de classificados, o jornal entrou em nova era. Os papeizinhos que ficavam espalhados no chão ao final de cada edição desapareceram por completo e tudo passou a ser feito pelo computador. Então, já havíamos conseguido expandir as assinaturas do jornal por toda a cidade e a dinâmica mudou completamente. Os funcionários que perderam as suas funções foram deslocados para outras e se adaptaram. Alguns, assustados com a grande mudança, deixaram a empresa. E eu fui acompanhando o crescimento do jornal, evoluindo junto com ele, até chegarmos hoje à impressora que possui quatro torres para impressão em cores simultâneas e uma unidade térrea (capaz de rodar por vez um caderno de 12 páginas coloridas e 4 preto e branco, tamanho standard ou 24 coloridas e 8 preto e branco tamanho tabloide. Atualmente, temos ainda a plattesetter, que transfere toda a página diretamente para a chapa, sem necessidade de fotolitos (filmes onde eram impressas as páginas para que se gravasse nas chapas).

Neste tempo todo, passamos por dificuldades, aborrecimentos e transformações estupendas. Já tive que prender um conector da placa da composer IBM com fita adesiva para que o jornal não parasse. Outra vez, tirei o fusível da mesma máquina para substituir outro da impressora Goss Community que havia queimado. Já fiz tudo no jornal, pela falta de funcionário especializado. Já imprimi, levei jornal para assinantes, captei anúncios, negociei campanhas e fui repórter-fotógrafo-redator de uma mesma matéria. Teve época em que já passei semanas inteiras dentro do jornal. Mas, olhando para trás, vejo tudo com satisfação e alegria. Satisfação de ter conseguido fazer o que gosto - e os percalços deixaram tudo ainda mais desafiador e gratificante - e muita alegria, por estar contribuindo com a história de um jornal que sempre foi tão importante para a cidade de Franca.

Nunca poderia deixar de ressaltar a importância que certas pessoas tiveram na minha vida. E a principal delas é o jornalista Corrêa Neves, que me deu todas as oportunidades e acreditou na minha capacidade. Acho que consegui retribuir com meu empenho às chances recebidas. D. Sonia Machiavelli também tem grande importância na minha vida: com sensibilidade, intelectualidade e extrema competência, fez arraigar em mim a compreensão de que só quem tenta é que pode errar ou acertar. Nunca - como o jornalista Corrêa Neves - questionou o meu estudo deficiente e ainda me ensina, com sua paciência de mestra dedicada, tanto no trabalho quanto na vida. Corrêa Neves Jr., que vi crescer - fisica e profissionalmente - também fez parte de minha vida e prova que a genética conta, sim, para a formação do indivíduo. Numa mescla dos pais, hoje dirige com competência um dos maiores grupos de informação do interior de São Paulo, diversificando as atividades e criando condições para que muita gente - que, como eu, aos 15 anos, me deslumbrei com a primeira visita que fiz ao jornal -, aprenda e ajude a fazer do Comércio da Franca o grande órgão de informação que chega ao limiar do seu centenário como um veículo vibrante e moderno.

E há ainda inúmeras outras pessoas a lembrar aqui, como colegas de trabalho e amigos que levo para a vida toda, mas aos quais me furto a nominar para não errar por omissão. Muitos estão ainda aí, hoje, fazendo jornal neste Brasil tão grande. Outros partiram para outros desafios em setores diversos. Com todos, sem exceção, aprendi muito e tenho certeza de que pude ensinar também. Eu costumo dizer que o jornal é parte importante de minha história, assim como me acho também parte importante da história do Comércio.
 

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