Quando menos é mais


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“O retorno da alegria é música”, escreve Zelita Verzola em Desacertos, pertencente ao conjunto de oitenta textos que compõem seu livro de estreia: crônicas mínimas. A frase é uma das muitas que levarão o leitor a refletir sobre questões essenciais da existência humana, como cometer erros, reconhecê-los e , espelhando-se na natureza , aprender a lição do recomeço. Tudo isso - percepção que já levou ensaístas a pesados tratados, poetas a muitos volumes e prosadores a gêneros alentados - fixado em apenas 62 palavras. Mas, faz-se importante reconhecer, palavras escolhidas pela sensibilidade da artista, organizadas pela experiência da mestra em Língua Portuguesa, inspiradas pelo olhar apaixonado e respeitoso diante de toda manifestação de vida, fixadas pela escritora que tem o que dizer de uma forma singular. A essa forma chamamos estilo.

Zelita Verzola é minimalista. Seus textos, que se agrupam sob o gênero que a contemporaneidade chamou crônica mínima, minitexto e microconto, mostram concisão com profundidade, leveza com reflexão, concretude com abstração. Colocado no meio do espaço branco do papel, o parágrafo único convida o leitor a nele pousar o seu olhar, como a simbólica borboleta de Atalie Rodrigues Alves, leve e emblemática a ilustrar os cantos direitos de cada página, em perfeito equilíbrio com o título em cima, à esquerda. E metamorfose, mudança, dinâmica, transformação, evolução, movimento, termos muito associados aos ciclos de vida do inseto, são os mesmos que definem, de forma ampla, as temáticas de um discurso que aposta em todas as formas de vida e na transcendência humana.

A estrutura do texto de Zelita Verzola trai no seu âmago a alma do conto, e também a do soneto, quando desvela uma carpintaria que leva para o final a resposta ao clímax que constrói. É o que se vê, por exemplo, em Desculpe, Festeiro, Pinceladas. Não raro a autora usa a técnica da semeadura e recolha, lançando várias imagens que acabam aglutinadas como em ramalhete. É o caso de Passarada e Pinceladas, só para citar duas. Metáforas frescas, como se vê em Bebês Gigantes, e muita plasticidade, de que é exemplar Dálias Amarelas, nos levam a uma inevitável definição desta linguagem como poética. E quando esses elementos se reúnem para traduzir um fato da natureza é quase imperativo lembrar haicais. Até porque o fluir do tempo, signo essencial do gênero poético oriental, é uma marca forte na escrita de Zelita Verzola.

Tempo, aliás, está na etimologia do próprio gênero que a escritora escolheu para se expressar. A crônica, que deriva do Chronos grego, nasceu para ser publicada em jornais, e tinha a ver com a cronologia dos acontecimentos diários. Mudou muito com o passar do tempo. Os modernistas começaram a enxugar a crônica depois da Semana de 22, inspirados pela rapidez das máquinas, dos automóveis e dos cortes cinematográficos. Mas foi na última década que as novas plataformas digitais impuseram mudanças radicais. Nessa vertente escritores como Marcelino Freire compõem hoje microcontos de 140 caracteres no Twitter. Parece fácil. Não é. Porque nem sempre o menos é mais.

Na defesa dessa nova estética, de uma forma mais enxuta, o romancista e poeta argentino Jorge Luís Borges (1888-1986) já defendia em sua época a concisão como virtude, desde que se tomasse por conciso “o escritor que se demora em dez frases breves e não o que maneja uma frase longuíssima”.

A busca pela concisão em Zelita Verzola abraça conceitos ligados ao básico e ao simples, sempre muito difíceis de expressar. Seu tom discreto, a linguagem garimpada, a economia interna e o uso criterioso de imagens fazem do menos, mais, porque a recusa ao supérfluo acaba traduzindo a relevância do essencial. Forma e fundo se conjugam e conformam aquele tipo de texto que convence o leitor pela sua coerência. E convencer o leitor, a meu ver, é uma das maiores recompensas para um escritor.

SOB O SIGNO DO CUIDADO

Zelita Verzola

“Muitos são os zelosos pela Vida e alguns dela cuidam duplamente: vivendo-a e traduzindo-a em palavras-bênçãos que se espalham pelo mundo. Dentre os bendizentes está Zelita, esparzindo suas crônicas mínimas para nosso deleite e reflexão e abrindo com seu zelo caminhos para o Amor de que fala Krishnamurti. "E, se ‘jamais conhecerá o amor quem não é zeloso’, quem zela tem em si a semente preciosa do amor”.

Com as palavras acima Regina Helena Bastianini conclui o texto da primeira orelha de crônicas mínimas, livro resenhado ao lado. E chama atenção para o zelo, o cuidado, características que permeiam as crônicas de Zelita Verzola. Para quem conhece a autora, são também traços de personalidade da francana que, “tão logo aprendeu a ler, aprendeu, com o pai, a gostar de ler”. Este legado importante, reforçado pela mãe que a incentivava nos estudos, tornou-se decisivo no seu desempenho como educadora e escritora, pois a leitura dos textos e da vida é prioridade para quem abraça essas duas vocações.

Zelita Verzola conta que na EE “Barão da Franca”, onde fez os estudos iniciais, havia um pequeno jornal literário, onde teve o primeiro texto publicado. Já era uma sinalização do talento para a escrita. Por isso, depois do curso Normal, que a capacitou para o magistério, foi fazer Letras na Unesp, seguido pelo Mestrado. Professora nos diversos níveis de ensino, além de coordenadora de projetos de Língua Portuguesa e alfabetização, dedicou-se ainda a alguns trabalhos voluntários. A par da escrita acadêmica, desde os anos 1990 escreve neste caderno. Organizou o livro Centros de Luz e participou das antologias de escritores francanos: Seleta XXI, Garimpeiros do Verbo.

Serviço
Título: crônicas mínimas
Autor: Zelita Verzola
Gênero: Crônica
Páginas: 110
Editora: Ribeirão Gráfica

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