De rebus pluribus...


| Tempo de leitura: 4 min
Esta pequena frase latina foi e continua sendo um título sugestivo usado por diversos autores quando querem, num só corpo de texto, referir-se a coisas variadas, a muitos assuntos diversos e bem elaborados, com teor crítico, literário, artístico, folclórico, político, de usos e costumes etc. Reporto-me a dois exemplos clássicos brasileiros: o poeta gaúcho Mário Quintana e o grande mestre de cultura popular, sobretudo nordestina, Leonardo Mota. Mário Quintana escrevia para o mensário de sociedade e arte, fundado em Alegrete, RS, em 1938. Nessa década, Quintana redigia uma das colunas a que dava o título de De rebus pluribus. Para que o leitor possa formar melhor idéia dessa elaboração intelectual, seguem alguns subtítulos do poeta gaúcho que se seguiam ao título latino: “Do estilo”, “Da viuvez”, “Da sátira”, “Das belas frases”, “Da experiência”, “Da voluptuosidade”, “Do amigo”, “Do dinheiro”, “Da indulgência”, “Do que elas dizem”, “Do exercício da filosofia”, “Do mal e do bem” etc. Por aí se deduz, sem nenhuma cultura romana, que De rebus pluribus implica o enfoque de assuntos diversos. O crítico literário Antonio Cândido chegou a sugerir uma tradução: “Das coisas variadas”.

Já Leonardo Mota emprega este título latino para se referir à multiplicidade de superstições brasileiras cristalizadas em frases que se tornaram proverbiais. Seguem algumas pitorescas: “Doente que espirra não morre no dia”, “Casa de esquina, morte ou ruína”, “Quem se levantar primeiro da cama, no dia seguinte ao seu casamento, é quem primeiro morre”, “Morto de olho aberto, outra morte”, “Coceira na mão, sinal de notícia boa”, “Defunto mole chama outro na casa”, “Semana Santa em março, fome ou mortaço”, “Vem-vem cantou, visita que chega”, “Muita cera no ouvido traz riqueza”... E assim vai! Interessante notar a preocupação na cultura popular brasileira com a morte, haja vista a literatura de cordel. Bom assunto para uma dissertação de mestrado.

E assunto puxa outro. Fico imaginando uma coluna no Comércio da Franca com o título De rebus pluribus... Das variadas coisas; francanas, naturalmente. Um excelente cronista seria, sem dúvida, o Chiachiri, da Academia Francana de Letras, quando as “coisas variadas” fossem relacionadas à história da cidade: os bailes no salão rosa do Hotel Francano, Geraldo Pelotão, os casos de enforcamento, os boêmios do Cacique, a leiteria Antártica, “a pinta preta que tu tens no rosto...” O homem leva jeito para isto. Mas se a Sônia quisesse e o Júnior aquiescesse, ou vice versa, e fosse eu o convidado para titular de tão preciosa coluna para a memória do francano da gema, buscaria primeiramente minhas fontes na Praça Barão. Já pensou o que corre por ali diariamente? O que se fala, o que se sabe, o que se fofoca, o que se prevê, o que se constrói, o que se destrói, o que se vende, o que se compra, o que se insinua...

Uma recente tarde dessas de 30 graus à sombra, resolvi, por puro masoquismo, bebericar o mais fervente dos cafés. Desvencilhei-me do vendedor de bilhetes da loteria federal, do engraxate fixo, do vendedor de cabides, do pedinte e de um grupo de homens que sussurrava quase abraçados. Enquanto esperava o café no balcão, ouvi uma conversa que dizia mais ou menos algo parecido a:
- Você viu? Dia 21 de fevereiro o novo bispo da Diocese de Franca assume oficialmente.
- Dia 21? Mas a que horas?
- Dizem que será numa megamissa, às 16h30.
- Coisa, sô! No mesmo dia, às 20 horas, o médium Divaldo Franco falará à comunidade espírita.
- Oportunidade de ouro, hem?
- Para quê? Ouvir o bispo católico ou o orador espírita?
- Os dois. Em tempos bicudos, melhor é acender uma vela para o santo e outra para o diabo.
- Heresia!!! Mas você sabe que está certo? Diante das incertezas transcendentais, não é difícil encontrar o sujeito que abrace dogmas os mais contraditórios. Resta agora saber quem é o santo e quem é o diabo!

Esta é a Praça Barão, onde surde a mais fina flor representativa da cultura popular de Franca. E se este pobre marquês que vos escreve resolver ser o titular de crônicas sob o título maior de De rebus pluribus, com certeza ali encontrará fonte cristalina para os mais diversos assuntos da gente francana.



 

Everton de Paula é professor, escritor, conferencista. Fundador e membro da Academia

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários