OPINIÃO

A violência pandêmica contra as mulheres

Por Zarcillo Barbosa | O autor é jornalista e articulista do JC
| Tempo de leitura: 3 min

Nos últimos dias, o país foi impactado por narrativas devastadoras de mulheres assassinadas por seus companheiros ou ex-companheiros e, até mesmo, por parentes próximos. Todos os dias, o noticiário conta um ou mais casos escabrosos que deixam marcas profundas nas famílias e na comunidade.

Os conformistas dizem que a violência contra a mulher faz parte da "cultura" nacional, patriarcal, machista e acostumada à coisificação do elemento feminino. O dramaturgo Nelson Rodrigues de 1960, costuma ser lembrado pela frase "mulher gosta mesmo de apanhar". O autor, no fundo era um humanista de veia irônica. Ironia é uma forma de expressão onde o autor contraria a lógica, para chamar a atenção, pelo inverso, ao que realmente defende. Ganha-se eleitores e ao final da narrativa fica o exemplo altruístico.

Vidas de mulheres são ceifadas todos os dias, de forma cruel, escancarando a realidade de um Brasil que ainda normaliza a violência do gênero. Neste país, mulheres servem como objetos sexuais e de escravidão doméstica. Mulheres são "assassinadas", não só em suas vidas públicas como também na política e a menor valorização nas suas atividades profissionais. O aumento das penalidades para punir esse tipo de crime não será suficiente enquanto houver sentimentos de impunidade, demora no trânsito em julgado de sentenças, "saidinhas" até no Dia das Mães assassinadas, e progressões para cumprimento em domicílio do que deveria ser tempo de reclusão na cadeia. Também de pouco adianta as medidas preventivas como suspensão de porte de armas; o afastamento de convivência com a vítima; a proibição de contato com a vítima, parentes e testemunhas e punições que podem chegar a 40 anos de reclusão em caso de estupro e morte.

Os recentes casos de feminicídio evidenciam que a violência de gênero é uma tragédia que exige mudanças estruturais. Uma delas é a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade com apoios efetivos. Outra, é o fortalecimento das políticas públicas, desde os bancos escolares, onde se dê ênfase ao enfrentamento da violência contra mulheres e meninas.

Nem é preciso ser um cientista social para saber que a situação exige dos Estados e Municípios, apoio psicológico às vítimas de violência doméstica e orientação jurídica, mediante profissionais capacitados. Pedidos de socorro têm que ser atendidos com prioridade e de imediato. Os riscos são grandes, mesmo quando parecem ser simples "querelas entre marido e mulher", onde "não se mete a colher". Nem sempre a mulher encontra espaço de acolhimento ou sequer é ouvida.

As manchetes escancaram o nível de violência a que chegamos. A jovem arrastada por um carro até a mutilação das pernas; uma mãe que viu sua casa incendiada pelo companheiro; a mulher violentada e morta a caminho da aula de natação; duas chefes baleadas no trabalho; a militar carbonizada por um ex-colega. Casos que não são exceção, mas expressão de um fenômeno descrito pela ONU como pandêmico.

Nas últimas semanas, milhares de pessoas em várias cidades do país foram às ruas clamando por um direito básico: o de existir sem medo. As manifestações são ainda tímidas diante da gravidade dos fatos. Todos aqueles que sonham com uma sociedade mais igualitária precisam contribuir. "O homem acha que quando casa, namora, é dono da mulher" - chegou a dizer o presidente Lula ao sancionar a lei que endurece as penas. Os homens é que têm que mudar o comportamento.

Em Bauru, pouco se vê em defesa da mulher. Os homens, como principais responsáveis, precisam ser chamados a participar. A súplica é geral, entre pessoas de bom senso. Vozes isoladas ajudam, mas não resolvem. Há que se transformar essa potencialidade existente no coração de cada um em um movimento capaz de redefinir estruturas sociais.

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