POLÍTICA

Flávio Paradella: a inesperada manobra do caso Otto

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 3 min
Divulgação/PMC
Quando estava prestes a começar a deliberação da CP, o plenário tinha apenas 15 vereadores — dois a menos do mínimo necessário para iniciar qualquer votação.
Quando estava prestes a começar a deliberação da CP, o plenário tinha apenas 15 vereadores — dois a menos do mínimo necessário para iniciar qualquer votação.

A sessão desta segunda-feira na Câmara de Campinas expôs, mais uma vez, o velho instinto de sobrevivência parlamentar que, quando pressionado, escolhe o caminho mais conveniente: o não decidir. Era um daqueles dias em que a temperatura política já começa alta antes mesmo de o plenário encher, e o enredo se confirmou com a chegada de Otto Alejandro trazendo um calhamaço de papéis e alegando que seu caso teria sofrido um suposto revés, porém alegando que não poderia disponibilizar por conta de sigilo.

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O fato é que o vereador entrou disposto a criar um ambiente de dúvida, o que interessa diretamente a ele e também aos que não queriam carregar no colo a responsabilidade de abrir uma Comissão Processante em um caso de violência doméstica, tema sempre sensível, explosivo e que exige posicionamentos que muitos evitam. Ainda assim, era nítida a pressão. A denúncia é gravíssima e os vereadores sabiam que um simples “não” à CP soaria como complacência com agressão.

O plenário se transformou em um caldeirão de hostilidades, com galerias tomadas por apoiadores do parlamentar — uma plateia disposta a confrontar qualquer vereador que ousasse defender a abertura da investigação. A bancada de esquerda passou o pequeno expediente inteiro insistindo na CP, mas enfrentando um barulho ensurdecedor. Não se tratava de divergência política — era intimidação sonora.

E então veio o momento mais revelador da noite: Débora Palermo (PL), colega de partido de Otto, subiu à tribuna e fez um discurso duro, direto e crítico contra ele, pedindo a abertura da Comissão Processante. A fala foi um choque para o próprio grupo político do vereador, revelando que o caso já produz fissuras internas irremediáveis.

Otto também falou. Negou tudo, citou supostos elementos novos no inquérito e tentou, na prática, ganhar tempo.

Tempo este que apareceu. Quando estava prestes a começar a deliberação, o plenário tinha apenas 15 vereadores — dois a menos do mínimo necessário para iniciar qualquer votação. A sessão, então, foi encerrada sem votar a CP e sem votar nada mais.

Não é coincidência. É manobra.

Os bastidores já falam em uma possível licença de Otto, que suspenderia temporariamente a análise da Comissão Processante, exatamente como prevê o regimento. Seria a saída mais confortável para uma base governista que não quer comprar o desgaste de cassar um aliado, mas também não quer bancar publicamente um voto contrário na frente de uma denúncia tão pesada. O vereador ganha sobrevida, o plenário ganha tempo e a pressão se dilui.

Há quem diga que, se houvesse votação nesta segunda, a CP poderia cair, e isso impediria o uso do instrumento no futuro imediato — por isso a manobra também agradaria a vereadores favoráveis da abertura da apuração, pois evitou um resultado que, paradoxalmente, agradaria apenas Otto e desmoralizaria o Legislativo.

O fato concreto é: a Câmara empurrou, se nada mudar, a decisão para esta quarta-feira, quando a pauta obrigatoriamente terá a leitura e apreciação da Comissão Processante como primeiro item. E, com isso, abriu a porteira para novas articulações nos bastidores. A noite não resultou em decisão, mas deixou claro que há movimento — e que cada minuto adicional interessa enormemente ao vereador acusado.

A quarta-feira promete uma sessão ainda mais tensa, e nada impede que a manobra desta segunda seja apenas a primeira.

Suspenso, mas não cancelado

A Câmara Municipal de Campinas confirmou que o pedido de leitura do requerimento de instauração de Comissão Processante e votação contra o vereador Otto Alejandro, a fim de apurar suposta quebra de decoro parlamentar, foram adiados para amanhã.

Os projetos que estavam pautados para votação na 71ª Reunião Ordinária, nesta segunda-feira, foram também remanejados por falta de quórum e serão incluídos na sessão desta quarta.

  • Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.

 

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