A Operação Coffee Break, deflagrada pela Polícia Federal, atingiu a Região de Campinas como um terremoto. Não apenas pela prisão do vice-prefeito de Hortolândia, Cafu César, e do secretário municipal de Educação, Fernando Moraes, mas porque cada nova informação revela um esquema mais intrincado, nacionalizado e politicamente radioativo. O caso, que começou com suspeitas de fraudes em licitações de material escolar e kits de robótica, rapidamente se transformou em uma teia que envolve lobistas, doleiros, operadores políticos e figuras com trânsito direto no governo federal.
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A engrenagem da fraude tinha como epicentro André Gonçalves Mariano, da Life Tecnologia Educacional, empresa que abasteceu diferentes prefeituras paulistas e movimentou milhões de reais em contratos suspeitos. O núcleo empresarial inflava preços, produzindo superfaturamentos de até 35 vezes, enquanto o núcleo político operava a abertura de portas — e portas muito específicas — no FNDE e em gestões municipais. Essa combinação de tráfico de influência, licitações dirigidas, pagamentos desviados e lavagem de dinheiro criou uma máquina de extração de recursos que supostamente operava simultaneamente em Sumaré, Limeira, Morungaba e Hortolândia, sempre orbitando a mesma empresa, os mesmos operadores e, agora se sabe, os mesmos intermediadores com ligações sensíveis com Brasília.
A prisão do vice-prefeito de Hortolândia não é um detalhe lateral. Cafu César acumulava a Secretaria de Governo, posição estratégica para destravar pagamentos e comandar a articulação municipal. Segundo a investigação, parte da propina teria passado por suas mãos; outra parte seria movimentada por doleiros — prática que transforma o esquema em organização criminosa, e não uma simples irregularidade. A cadeia de eventos que levou à prisão preventiva aponta um nível de contaminação institucional que extrapola qualquer caso recente da região.
E quanto mais o caso avança, mais atinge figuras de maior expressão. O suposto envolvimento de Carla Ariane Trindade (ex-nora de Lula) e Kalil Bittar (ex-sócio de um dos filhos do presidente) adiciona uma camada política explosiva, elevando a operação para o centro do debate nacional. A investigação atinge não apenas prefeituras, mas um elo do entorno familiar do presidente, criando um desgaste que o governo federal precisará administrar.
Na região, o estrago político é generalizado. Em Limeira, o ex-prefeito Mário Botion foi alvo de busca. Em Sumaré, a Secretaria de Educação teve documentos recolhidos. Em Hortolândia, parte da cúpula do governo foi levada para cadeia e conduzida à PF em Campinas. O modus operandi atravessou diferentes gestões, sugerindo continuidade e estabilidade do esquema, algo que raramente acontece sem articulação bem estabelecida.
A Coffee Break expõe também uma chaga antiga do poder público: a vulnerabilidade das prefeituras diante de empresas especializadas em moldar editais, contornar controles e simular legalidade. Kits escolares, plataformas digitais e projetos de robótica se tornaram um filão de contratos milionários com fiscalização complexa — terreno fértil para irregularidades. E agora se sabe que uma parte desse mercado estaria sendo explorada por um consórcio criminoso profissionalizado.
Para a sociedade, o impacto é devastador. Cada centavo desviado representa menos material, menos infraestrutura, menos cuidado para crianças reais. A Coffee Break não é sobre robótica; é sobre o colapso moral de um sistema que deveria proteger a educação pública. É sobre o Brasil onde escândalos sucedem escândalos, criando a sensação de que quando um é descoberto, outro já está em fase de incubação.
A operação continua, mas o estrago político já está dado. Hortolândia enfrenta uma crise de governabilidade. Sumaré e Limeira tentam explicar seus vínculos. E a região, epicentro das ações, se vê mais uma vez no radar nacional por um caso que deve render desdobramentos por meses.
No fundo, a pergunta que resta é sempre a mesma: quantas outras Coffee Break ainda estão escondidas em gavetas de licitações Brasil afora?
Otto Alejandro no olho do furacão

Divulgação/CMC
A quarta-feira na Câmara de Campinas também foi carregada. A denúncia contra o vereador Otto Alejandro (PL) por suposta violência doméstica caiu como um raio sobre o Legislativo, interrompendo conversas de bastidor, dominando e constrangendo o plenário e deixando até parlamentares experientes sem palavras. A gravidade do caso somada ao histórico recente do vereador transformou a situação em um terremoto político que sacudiu a base governista, pegou a direita de desprevenida e abriu espaço para uma reação cautelosa, porém firme, da oposição.
Segundo o registro feito pela namorada do parlamentar na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, Otto é acusado de agressão, ameaça, injúria e dano ao patrimônio. A denúncia, registrada no BO nº QM0639-1/2025, detalha um episódio de violência ocorrido na noite de 7 de novembro, no apartamento da vítima, no Centro. No documento, a mulher afirma ter sido agredida, insultada e ameaçada de morte, relatando que o vereador teria dito frases como “puta, vadia, demônio, doente, ingrata, vou acabar te matando”. Ela também afirma que Otto entrou em sua residência, quebrou objetos e retirou uma televisão, que agora passará por perícia.
A acusação é extremamente grave e carrega elementos típicos de violência doméstica amparados pela Lei Maria da Penha. A vítima ainda relatou que o vereador “costuma ingerir bebida alcoólica com frequência” e que fica “muito alterado”, um padrão que, se confirmado, reforça a narrativa apresentada. Após registrar o boletim, ela recebeu orientações sobre medidas protetivas e foi encaminhada aos serviços de apoio.
No plenário, a repercussão foi imediata. A bancada de esquerda cobrou do presidente Luiz Rossini (Republicanos) que a Casa trate o caso com postura exemplar. Mesmo assim, tanto vereadoras quanto vereadores adotaram um discurso contido e cuidadoso, conscientes da delicadeza do tema e dos riscos de politizar um caso de violência contra mulher. Ainda assim, o clima era de absoluto desconforto, com parlamentares falando baixo nos corredores enquanto se perguntavam como a situação evoluiria.

Divulgação/CMC
Em nota enviada ao Portal Sampi Campinas, Otto tentou blindar-se com a alegação de perseguição: “Acredito que estou passando por uma perseguição política, pois anunciei meu nome para ser candidato a deputado estadual”, declarou. O vereador disse não ter sido notificado oficialmente e negou qualquer agressão. Mas sua ausência na sessão desta quarta-feira — que não passou despercebida — apenas ampliou a sensação de crise.
O problema é que esta não é a primeira vez em que o nome de Otto Alejandro aparece associado a episódios de desequilíbrio ou possível violência. Em 13 de julho, o parlamentar já havia sido protagonista de um tumulto na Avenida Francisco Glicério, quando, segundo um motorista de ônibus, quebrou o vidro do coletivo com uma pedra, ameaçou matá-lo e destruiu o celular da vítima. O caso foi registrado como dano e ameaça, e o motorista relatou que Otto aparentava estar alterado e sob efeito de álcool. Para aquele episódio, o vereador também enviou uma justificativa evasiva: “Nada a declarar”.
Agora, com a denúncia da mulher que seria a sua namorada, o histórico recente passa a pesar ainda mais. O conjunto dos episódios sugere um padrão comportamental que, se confirmado, coloca em xeque não apenas a conduta pessoal, mas a capacidade de Otto de continuar exercendo mandato. A acusação de violência doméstica tem potencial para se transformar em uma enorme crise, especialmente por atingir um vereador da base governista, de um partido fortemente associado ao discurso de “defesa da família”. Vale lembrar que este não é o primeiro caso, pois o vereador Arnaldo Salvetti (MDB) também foi acusado de supostamente praticar violência doméstica.
A Câmara, por sua vez, tenta se equilibrar sob um novo holofote incômodo. Após semanas de desgaste com a Comissão Processante contra Mariana Conti, a suspeita de rachadinha envolvendo 27 vereadores e outros constrangimentos públicos, o Legislativo agora encara um caso ainda mais sensível, que exige rigor, transparência e sobriedade — justamente três elementos que não têm sido constantes na Casa.
Os próximos dias dirão se o caso se limitará à esfera policial ou se tomará contornos políticos. Por ora, o que se sabe é que o incêndio foi grande e que apagar as chamas não será tarefa fácil.
O “Passe Bolsa” desaba

Divulgação/Prefeitura de Indaiatuba
Se a quarta-feira já estava politicamente tóxica, Indaiatuba fez questão de adicionar mais uma camada de turbulência ao dia. O escândalo envolvendo o Passe Bolsa, programa municipal de auxílio ao transporte de estudantes, expôs uma falha estrutural na gestão do benefício e revelou um daqueles episódios que sintetizam, com perfeição, o Brasil real: programas sociais com bons propósitos, mas contaminados pela velha praga da fraude, da falta de fiscalização e da complacência política.
A Prefeitura decidiu encerrar o Passe Bolsa após a revelação de que famílias de alta renda estavam recebendo um auxílio destinado a estudantes em vulnerabilidade socioeconômica. E não se trata de um caso pontual: uma investigação mostrou que pelo menos 25 beneficiários não se enquadravam nas regras, mas ainda assim receberam R$ 513 mil — mais da metade dos R$ 967 mil gastos pelo programa entre 2023 e julho de 2025. Um escândalo de proporções nacionais, escancarado pelo Fantástico, que colocou a cidade — sempre muito zelosa com sua imagem de eficiência administrativa — sob holofotes nada positivos.
O prefeito Custódio Tavares (MDB) anunciou um pente-fino nos 718 benefícios concedidos em 2025 e determinou a suspensão temporária dos pagamentos até que a análise seja concluída. Paralelamente, ordenou o afastamento da secretária de Assistência Social, Viviane Barnabé, que era responsável direta pela gestão do Passe Bolsa. A medida, embora necessária, evidencia que a engrenagem de controle interno falhou miseravelmente — e por um longo período.
O caso é ainda mais grave porque expõe um padrão já conhecido: programas sociais sem monitoramento adequado sempre acabam capturados pelos mais espertos, enquanto os mais vulneráveis ficam à margem. A Prefeitura fala agora em reformular toda a política de auxílio estudantil, criar novas regras, ampliar os controles, abrir canais de denúncia e prometer “transparência”. Tudo soa correto, mas também reforça a pergunta inevitável: por que isso não foi feito antes?
Ao fim do dia, a sensação é que a quarta-feira trouxe um verdadeiro mosaico da degradação política e institucional da região: acusações de violência doméstica no Legislativo de Campinas, operação da PF desmantelando um esquema milionário em prefeituras vizinhas e um programa social em Indaiatuba tomado por irregularidades. É como se cada município, em escalas diferentes, estivesse enfrentando sua própria crise de integridade.
Para quem acompanha a política regional — você, inclusive — o que se viu foi um mini-cenário de colapso, uma soma de escândalos que revela como a gestão pública ainda tropeça nos mesmos erros: fragilidade de controle, foco na narrativa em vez da governança e incapacidade de prever que fraudes surgirão sempre que existirem brechas. A quarta-feira não foi apenas caótica — foi simbólica.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.