A Câmara Municipal de Campinas mergulhou novamente em um clima de ebulição política — e, mais uma vez, o instrumento da Comissão Processante (CP) é usado como arma política, não como ferramenta de fiscalização. A tentativa de instaurar um processo contra a vereadora Mariana Conti (PSOL), licenciada para participar da missão humanitária à Faixa de Gaza, escancara o uso banalizado e revanchista desse mecanismo, que deveria ser excepcional.
- Clique aqui para fazer parte da comunidade da Sampi Campinas no WhatsApp e receber notícias em primeira mão.
O pedido, apresentado pelo vereador Nelson Hossri (PSD), sustenta que Mariana teria violado a moralidade administrativa ao se afastar do cargo para integrar uma expedição sem caráter oficial. A denúncia, na minha opinião, carece de fundamento jurídico mínimo.
A Procuradoria Jurídica da Câmara foi taxativa: o afastamento foi autorizado formalmente, e qualquer parlamentar tem o direito de solicitar licença por motivo pessoal — o que a vereadora fez dentro dos prazos e critérios legais. Portanto, a meu ver, não há infração político-administrativa. De todo forma, o pedido foi protocolado e só será debatido após o fim da licença de Mariana, marcado para 25 de outubro.
Porém, todos achavam que na sessão o caso seria lido e o ambiente foi de caos e espetáculo. Mariana, mesmo da Jordânia, convocou apoiadores e militantes que estiveram no plenário. Do outro lado, parlamentares da direita reagiram com provocações infantis, em um jogo de empurra que transformou o Legislativo em uma verdadeira arena de ofensas.
A polarização foi tamanha que a sessão até terminou mais cedo, mas o estrago à imagem da Casa foi inevitável. A Câmara virou, faz tempo, ringue, e não fórum de debate.
De um lado, gritos de “fascistas”; do outro, “comunistas”, com vídeos e cortes pensados claramente para as redes sociais. Não há diálogo — há performance.
Esse não é um episódio isolado. Desde o início da legislatura, as Comissões Processantes viraram rotina em Campinas, usadas como instrumentos de vingança política ou para gerar repercussão digital. Os casos de Paolla Miguel (PT) e de Vini Oliveira (Cidadania), são emblemáticos: CP criada, provoca um susto no parlamentar e depois se arquiva. Agora, repete-se o roteiro.
O que se vê é a institucionalização da guerra de narrativas, em que cada grupo usa o Regimento Interno como munição. Perde a cidade, que assiste perplexa a um Parlamento ocupado por vaidades, disputas pessoais e pouco apreço pela função pública.
É improvável que o pedido contra Mariana Conti prospere. A decisão da Procuradoria é clara, e o adiamento da leitura, mesmo que siga um rito jurídico, já indica que há desconforto até entre vereadores da base.
Mariana retorna ao país nesta quinta-feira, após ser detida por forças israelenses durante a missão Global Sumud Flotilla. O caso, que já teve grande repercussão nacional, a coloca sob holofotes e, paradoxalmente, fortalece sua imagem política.
Enquanto isso, o Legislativo campineiro segue afundado em sua própria irrelevância, incapaz de conduzir debates com maturidade. A Câmara, que deveria ser o espaço da razão, virou o palco da gritaria.
E, no meio disso tudo, as CPs viraram brinquedos políticos — usados conforme a conveniência do dia, um sintoma claro da falência do diálogo e da banalização da democracia local.
Cortina de fumaça
A Câmara vive uma semana de crise política marcada pela bomba das emendas impositivas. O cenário é de descontrole político e institucional — e a impressão que se tem é que a CP surgiu como uma manobra conveniente para desviar os holofotes.
Na segunda-feira, o Ministério Público abriu investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” com emendas impositivas repassadas à Irmandade de Misericórdia de Campinas, que administra a Santa Casa e o Hospital Irmão Penteado.
A denúncia anônima, feita por uma funcionária da própria Câmara, aponta que 27 vereadores — ou seja, praticamente a Casa inteira — destinaram verbas à entidade, e que parte desses valores (entre 10% e 20%) teria sido devolvida aos parlamentares.
Trata-se de um escândalo potencialmente devastador, porque envolve recursos da saúde, dinheiro público e uma instituição centenária, pilar da assistência hospitalar da cidade.
Enquanto vereadores se digladiam por likes, a Câmara ignora a gravidade do caso das emendas, que pode atingir o coração do sistema político local. A suposta devolução de verbas, se confirmada, configuraria corrupção pura, e não erro técnico ou divergência política.
No entanto, o tema foi rapidamente empurrado para debaixo do tapete, substituído pelo espetáculo da CP. E, nesse jogo, todos perdem.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.