POLÍTICA

Flávio Paradella: Sem misericórdia com as emendas impositivas

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução/Santa Casa de Campinas
Ministério Público apura denúncia de suposta 'rachadinha' em emendas impositivas destinadas à Irmandade de Misericórdia de Campinas.
Ministério Público apura denúncia de suposta 'rachadinha' em emendas impositivas destinadas à Irmandade de Misericórdia de Campinas.

Campinas vive mais um terremoto político, e o epicentro volta a ser a Câmara Municipal — agora com um suposto esquema de “rachadinha” envolvendo emendas impositivas destinadas à área da saúde. O caso, ainda em fase inicial no Ministério Público, envolve uma das mais tradicionais e respeitadas entidades filantrópicas da cidade: a Irmandade de Misericórdia, responsável pela gestão da Santa Casa e do Hospital Irmão Penteado.

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A apuração foi instaurada pelo promotor Daniel Zulian (do caso Ouro Verde), a partir de uma denúncia anônima feita por uma pessoa que se identificou como funcionária da Câmara. Segundo o relato, parte das verbas repassadas à Irmandade por meio das emendas seria devolvida a parlamentares que as indicaram — entre 10% e 20% do valor total, conforme o teor da denúncia.

Se comprovado, o esquema configuraria desvio de finalidade e enriquecimento ilícito, algo ainda mais grave por envolver recursos da saúde, setor que historicamente enfrenta déficit crônico de investimento público.

Entre 2024 e 2025, a Irmandade de Misericórdia recebeu R$ 25,6 milhões em emendas impositivas, indicadas por 27 vereadores diferentes (base, oposição, direto, centro e esquerda), o que reforça o potencial de impacto político do caso. Diante da gravidade, o MP recomendou à Prefeitura que suspendesse por 30 dias todos os repasses à entidade, até a conclusão da análise preliminar.

A Prefeitura de Campinas afirmou ter cumprido a recomendação e destacou que as emendas impositivas são “de total responsabilidade dos vereadores”.

A Câmara Municipal, por sua vez, declarou que “não foi citada” e “desconhece qualquer irregularidade”.

Já a Irmandade de Misericórdia informou que está realizando apuração interna, que não foi oficialmente notificada, e reafirmou que aplica todos os recursos conforme a legislação vigente.

A íntegra dos posicionamentos

Prefeitura: A Secretaria de Saúde informa que acatou a recomendação do Ministério Público e suspendeu, por 30 dias, na última sexta-feira, 3 de outubro, a execução de todas as emendas impositivas previstas à Irmandade de Misericórdia de Campinas, com exceção das relacionadas à assistência direta à população.

A Pasta esclarece que as emendas impositivas são de total responsabilidade dos vereadores, que definem o destino, o tipo de serviço e o valor de cada repasse.

Não há qualquer ingerência da administração municipal sobre os beneficiários, valores ou a aplicação dos recursos, salvo em casos de impedimentos técnicos ou legais. 

Em 2025, 23 parlamentares indicaram emendas impositivas, somando R$ 13,7 milhões. No ano passado, foram realizadas 32 emendas, que totalizaram R$ 11,9 milhões.

A Prefeitura vai enviar ao Ministério Público todas as informações solicitadas.

Câmara: A Câmara Municipal de Campinas informa que as Emendas Impositivas foram aprovadas no final de 2021 e passaram efetivamente a valer a partir do Orçamento do ano de 2023. A regra permite que os vereadores destinem 1,2% da Receita Corrente Líquida do município para projetos, obras e serviços, com a obrigação de a Prefeitura executá-las.

Há uma exigência legal de que no mínimo 50% do valor das Emendas Impositivas de cada vereador seja destinado para a área da Saúde. Seguindo as normas e os critérios legais estabelecidos, os parlamentares podem propor suas contribuições ao Orçamento da cidade. A Câmara Municipal de Campinas informa ainda que não foi citada nesse caso específico e desconhece qualquer tipo de irregularidade na destinação dessas emendas.

Irmandade de Misericórdia: A Irmandade de Misericórdia de Campinas, ao ser informada de que o Ministério Público está apurando denúncia de irregularidades em relação a emendas parlamentares municipais destinadas a ela, comunica que não foi cientificada pelo Ministério Público e, se vier a ser, avaliará as providências a serem tomadas, sendo certo que aplica todos os importantes recursos públicos que recebe, para os fins a que eles se destinam, cumprindo a lei e estando sempre à disposição das autoridades.

As emendas e o poder parlamentar

As emendas impositivas, criadas para dar maior autonomia aos vereadores sobre parte do orçamento, têm se transformado num ponto de tensão recorrente entre Legislativo, Executivo e órgãos de controle.

Primeiro vieram as denúncias de mau uso em shows e eventos culturais; agora, a suspeita recai sobre recursos da saúde, justamente o campo onde o impacto político e social é mais sensível.

O instrumento nasceu com a promessa de descentralizar decisões orçamentárias, mas acabou abrindo brechas para suspeitas de direcionamento de verbas e, no limite, corrupção. Em tese, o modelo reforça a transparência. Na prática, a fiscalização ainda é insuficiente — e a tentação política de transformar verba pública em capital eleitoral é enorme.

O caso da Irmandade tem potencial explosivo. Se a denúncia for confirmada, será mais do que um escândalo pontual: será o retrato da deformação de um mecanismo criado para fortalecer o Legislativo, mas que virou uma nova arena de interesses. E, como se não bastasse, o suposto envolvimento de uma instituição centenária que presta serviços essenciais à população.

O Ministério Público, agora, tem a missão de separar o que é boato de bastidor do que é crime efetivo. Mas, independentemente do desfecho, o episódio já deixa marcas: a Câmara de Campinas volta a ser associada a suspeitas de desvio, e as emendas impositivas entram definitivamente no radar do controle público.

Mariana Conti é libertada


Reprodução/Redes Sociais

A vereadora Mariana Conti (PSOL), de Campinas, foi libertada pela manhã desta terça-feira (7), após permanecer detida por forças israelenses desde a interceptação da Flotilha Global Sumud, que tentava levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Ela e os demais brasileiros integrantes do grupo estão na Jordânia, acompanhados por autoridades diplomáticas brasileiras, e aguardam o retorno ao país.

A informação foi confirmada pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que celebrou o fim da prisão dos ativistas. “@marianaconti_psol e os demais ativistas brasileiros da @globalsumudflotilla já estão livres! Eles se encontram na Jordânia, acompanhados de autoridades brasileiras, e aguardam o retorno ao Brasil. Nossos companheiros retornarão para ampliar a denúncia do genocídio em Gaza e exigir o rompimento de todas as relações com Israel”, escreveu.

Mariana Conti estava presa na penitenciária de Ketsiyot, no deserto de Neguev, desde o início de outubro, quando o grupo foi detido ao tentar romper o bloqueio marítimo imposto por Israel a Gaza. O caso ganhou repercussão internacional e provocou manifestações políticas no Brasil.

  • Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.

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