POLÍTICA

Flávio Paradella: O pedido de desculpas pelo vídeo racista

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 7 min
Reprodução/Redes Sociais
Prefeitura de Campinas encerra impasse com pedido de desculpas e acordo de R$ 300 mil após postagem de 2023, mas caso deixa marcas políticas e institucionais.
Prefeitura de Campinas encerra impasse com pedido de desculpas e acordo de R$ 300 mil após postagem de 2023, mas caso deixa marcas políticas e institucionais.

O episódio do vídeo racista publicado pela Prefeitura de Campinas em 2023 ganha agora um novo capítulo com a retratação oficial nas redes sociais e a formalização de um acordo com o Ministério Público. Dois anos depois da postagem original, o caso ainda ecoa porque expôs a comunicação institucional que, ao tentar ser “moderna”, acabou reproduzindo estereótipos nocivos e, pior, reforçando o racismo estrutural. A imagem de um vídeo que associava prisões com ajuda de câmeras de segurança apenas a pessoas negras abordadas é mais do que um erro técnico: é a comprovação de como vieses arraigados atravessam instituições públicas.

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O pedido de desculpas divulgado agora cumpre uma das exigências do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MP, que prevê também o investimento de R$ 300 mil em projetos voltados à igualdade racial. Desde o episódio, a Prefeitura tentou reagir com cursos antirracistas para servidores e com ajustes internos no manual de comunicação, mas foi somente após a homologação judicial que a medida ganhou caráter formal. O gesto, por mais protocolar que pareça, tem o peso de reconhecer um erro grave — algo que, em 2023, o governo evitou admitir com clareza, preferindo reeditar o vídeo.

Politicamente, é curioso notar que o episódio não se transformou em uma crise para o governo Dário Saadi. Diferente de outras gestões, que poderiam ter sido engolidas por uma repercussão negativa dessa magnitude, a administração atravessou o caso sem grandes danos, ainda que sob críticas pontuais. Não houve desdobramentos no Legislativo nem perda significativa de apoio. Porém, dentro da máquina pública, a situação deixou marcas e obrigou mudanças na forma como a comunicação oficial lida com temas sensíveis. Há hoje, pelo menos no discurso, uma preocupação maior em alinhar políticas antirracistas a todas as áreas da Prefeitura.

A retratação é um lembrete incômodo: erros institucionais, quando se trata de racismo, não desaparecem com o tempo. Podem até não gerar efeitos políticos imediatos, mas deixam rastros na imagem pública e no tecido social. O TAC encerra formalmente a pendência, mas a lição permanece. Para além das multas, cursos e desculpas publicadas, a expectativa é que a Prefeitura tenha entendido que comunicação institucional não é apenas estética ou viralização em redes: é, sobretudo, responsabilidade. E responsabilidade, nesse caso, significa reconhecer que a pluralidade de Campinas não pode ser reduzida a estereótipos.

A nova reação

A vereadora Guida Calixto (PT) procurou a coluna e lembrou que o episódio a levou a procurar o Ministério Público, o que iniciou todo este processo. Replico abaixo, na íntegra, a manifestação da parlamentar:

"Em julho de 2023, a cidade de Campinas foi exposta a um episódio de profundo constrangimento e violência simbólica. A Secretaria de Comunicação da Prefeitura, na divulgação do sistema de segurança Monitora Campinas, veiculou uma peça publicitária que não apenas reproduziu, mas institucionalizou o racismo estrutural que combatermos diariamente.

A peça, amplamente divulgada como material oficial do município, apresentava uma narrativa criminosa e perversa: de um lado, Guardas Municipais brancos, representando a lei e a ordem; do outro, cidadãos algemados e subjugados, todos negros. A mensagem subliminar, porém gritante, era evidente: a segurança pública é feita por brancos para vigiar e prender negros. É a materialização do racismo que assola nossa sociedade, que naturaliza a população negra como uma ameaça e não como cidadã de direitos.

É revoltoso lembrar que esta ação racista foi a primeira iniciativa da então nova secretária à frente da Secom. Um ato que, longe de ser um "deslize" ou "imperícia", revelou desde o primeiro momento a lente discriminatória através da qual aquela gestão enxerga a população campineira. Mais grave ainda foi a conivência explícita da Prefeitura de Campinas, que inicialmente silenciou diante da denúncia e apenas se moveu quando a pressão social e institucional se tornou insustentável.

Não nos calamos. Diante da gravidade do fato, acionamos imediatamente o Ministério Público para que o poder público fosse responsabilizado por tamanho absurdo. A resposta veio através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um instrumento que reconhece a culpa da administração municipal e a obriga a reparar os danos causados. A Prefeitura foi compelida a se retratar publicamente e a promover ações educativas e de comunicação no combate ao racismo.
Esta vitória parcial é da população negra de Campinas e de todos que se indignaram com mais esta afronta. No entanto, o TAC é mais que uma punição; é um reconhecimento formal do erro e um passo necessário, porém tardio, na direção certa.

O caso Monitara Campinas escancara que o racismo não habita apenas nas relações individuais, mas pode ser uma política de Estado, ainda que por ação ou omissão. Serve como um alerta permanente de que a luta antirracista é diária e deve ser travada dentro de todos os espaços de poder, para que nenhuma secretaria, nenhuma gestão, jamais se ache no direito de perpetuar um crime tão vil contra a dignidade de nosso povo."

Procurada, a atual Secretária de Comunicação da Prefeitura de Campinas, Rose Guglieminetti, informou apenas que, na época da divulgação do polêmico vídeo, ocupava o cargo de Diretora de Comunicação e não era responsável pela pasta. A nomeação foi posterior.

As escolas cívico-militares de Tarcísio


Divulgação/Governo de SP

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sofreu nesta quarta-feira (3) um revés significativo com a suspensão do Programa Escola Cívico-Militar, considerado seu principal projeto de cunho ideológico. A decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) atinge diretamente uma das bandeiras mais fortes do ex-presidente Jair Bolsonaro — padrinho político de Tarcísio — e expõe fragilidades administrativas na condução da iniciativa.

O tribunal atendeu a uma representação apresentada pelo Coletivo Educação em 1º Lugar, ligado a deputados do PSOL, e listou irregularidades graves: o uso de verbas da Secretaria da Educação para pagar salários de policiais — classificado como desvio de finalidade, a falta de estudos de impacto financeiro, a ausência de metas e indicadores de desempenho e até o desrespeito à Constituição e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Com a decisão, o governo estadual está proibido de usar recursos da Educação para custear policiais militares em escolas, e a análise das despesas já realizadas foi determinada, com possibilidade de responsabilização de gestores. O TCE condiciona a retomada do programa à apresentação de planejamento detalhado, definição de indicadores claros e comprovação de que o modelo respeita a legislação.

Na Região Metropolitana de Campinas, quatro escolas já estavam na lista de adesão: em Campinas, a Escola Estadual Reverendo Eliseu Narciso e a Escola Estadual Professor Messias Gonçalves Teixeira; em Sumaré, a Escola Estadual Marinalva Gimenes Colossal da Cunha; e em Hortolândia, a Escola Estadual Yasuo Sasaki. Agora, todas ficam em compasso de espera.

O impacto político é evidente. O projeto vinha sendo usado por Tarcísio para dialogar com as bases bolsonaristas, que enxergam no modelo uma forma de reforçar disciplina e hierarquia nas escolas. A decisão do TCE, no entanto, mostra que o caminho escolhido foi atalho jurídico e administrativo sem respaldo técnico. É mais um abalo no projeto nacional do governador, que tenta se viabilizar como presidenciável em 2026 sem melindrar Bolsonaro, hoje prestes a enfrentar condenação por tentativa de golpe de Estado.

A suspensão pode até ser contornada tecnicamente, mas já cumpre um efeito simbólico: a política feita com atalhos não resiste à fiscalização institucional. E Tarcísio, que tenta equilibrar pragmatismo administrativo com o ideário bolsonarista, terá que reavaliar suas prioridades se quiser avançar além das trincheiras ideológicas.

Aviso aos leitores

Esta coluna ficará temporariamente sem atualizações. O motivo é um momento delicado de saúde em minha família, que exige atenção integral e o acompanhamento de uma intervenção cirúrgica já programada. Trata-se de um procedimento complexo, mas com alta taxa de sucesso e recuperação rápida, o que nos enche de esperança.

Agradeço imensamente pela compreensão, pela confiança de sempre e pelo apoio da direção da Rede Sampi, que me permite este breve afastamento com tranquilidade.

Em cerca de uma semana estarei de volta, com ainda mais energia para seguir informando, refletindo e trocando com vocês neste espaço.

Até breve.

  • Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.

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