POLÍTICA

Flávio Paradella: A gangorra da indignação domina a Câmara

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 6 min
Divulgação/CMC
Legislativo campineiro volta do recesso dominado pela prisão domiciliar de Bolsonaro.
Legislativo campineiro volta do recesso dominado pela prisão domiciliar de Bolsonaro.

A Câmara de Campinas retomou nesta segunda-feira (4) suas sessões ordinárias, mas o foco da noite não foi local. A ordem de prisão domiciliar contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ofuscou qualquer tentativa de debate sobre projetos municipais. A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, dominou o plenário e escancarou, mais uma vez, a fragilidade do ambiente político nacional — e seus desdobramentos nas câmaras legislativas país afora.

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E, dessa vez, não tinha como ser diferente. Estamos falando de mais um ex-presidente brasileiro oficialmente incluído no rol de réus com restrições de liberdade. A prisão de Bolsonaro o coloca ao lado de Lula, Collor e Temer — todos, em algum momento deste século, alvo de processos, prisões e escândalos de grandes proporções. O Brasil coleciona presidentes sob suspeita como quem muda de figurinha. O problema é que o álbum é institucional — e está cada vez mais sujo e rasgado.


Divulgação/CMC

A erupção da notícia, minutos antes da sessão começar, causou uma convulsão retórica. Não houve projeto, requerimento ou fala que escapasse da polarização. Vereadores da esquerda usaram o microfone para enaltecer o avanço das investigações e apontar a responsabilidade dos envolvidos nos atos antidemocráticos. Já nomes em sintonia com setores da direita falaram em perseguição política, atacaram o STF e manifestaram apoio não só a Bolsonaro, como também ao deputado Eduardo Bolsonaro e até ao presidente Donald Trump.

O que se viu — e se vê — é a política nacional tratada como torcida organizada. E é aí que está o grande incômodo. Não há espaço para reflexão ou ponderação. Só vale a narrativa que serve ao time. Se o investigado é o adversário, exige-se cadeia, julgamento célere, moralidade. Se é do lado de cá, aí é perseguição, golpe institucional, lawfare. Hipocrisia pura. Demagogia de manual. Dos dois lados.

Essa gangorra de indignações seletivas só serve para manter o país no mesmo lugar — afundado. Com um Congresso desmoralizado, uma Justiça questionada, e um Executivo sempre cercado de incertezas, o Brasil perde tempo discutindo quem vai para a cadeia enquanto escolas jogadas às traças, hospitais colapsam e o transporte apodrece.

A volta do recesso em Campinas, portanto, não fugiu à regra nacional. Orçamento, mobilidade, zeladoria, segurança ou saúde mental ficaram de lado. Falou-se de Bolsonaro.

No fim, o país segue no mesmo ponto: rachado, sem rumo, sem horizonte, e com cada lado preocupado apenas em ver o outro cair. O problema é que, quando todo mundo torce pelo tombo do outro, ninguém mais anda pra frente.

Era óbvio

A Procuradoria da Câmara de Campinas fez o que já se esperava: recomendou o arquivamento do pedido de Comissão Processante contra o ex-vereador Zé Carlos (PSB), com base no fato de que o parlamentar já havia renunciado ao mandato. Com isso, perdeu-se o objeto central de qualquer CP: o mandato em exercício.

A decisão encerra — ao menos dentro da esfera legislativa — a novela sobre a possibilidade de cassação simbólica, que vinha sendo defendida pelo vereador Marcelo Silva (PP). O argumento era de que a Câmara tinha prerrogativa para apurar e punir atos cometidos durante o exercício do mandato. Mas é aí que entra o ponto crucial: sem mandato, não há mais o que cassar.

Com isso, prevaleceu o entendimento jurídico mais direto: a Comissão Processante é um instrumento disciplinar, político-administrativo, voltado exclusivamente à cassação de um vereador no exercício do cargo. Não é foro para julgamento moral, nem ferramenta para promover condenações tardias. Isso cabe às outras esferas, como o Ministério Público e a Justiça Eleitoral.

Sim, os fatos revelados pela investigação são gravíssimos. Zé Carlos confessou ter pedido propina para manter contratos da TV Câmara, fechou acordo de não-persecução penal com o MPSP, e terá que pagar mais de R$ 151 mil. O caso envolveu ainda seu ex-secretário Rafael Creato e uma série de provas reunidas pelo Gaeco. Mas tudo isso não altera o ponto central: a Câmara não é tribunal. E o mandato já foi entregue.

A tentativa de abertura da CP era mais política do que prática. Marcelo Silva queria, claramente, provocar um julgamento público e deixar uma marca institucional sobre o caso. Só que o Legislativo tem limites, e o parecer da Procuradoria os reafirmou: não cabe ao Parlamento condenar quem já não faz mais parte da Casa.

Se há algo a ser analisado a partir de agora, será no campo da inelegibilidade futura, que depende da interpretação da Justiça Eleitoral sobre os efeitos do acordo firmado com o Ministério Público. Zé Carlos poderá ou não ser candidato no futuro? Isso ainda está em aberto, e será tema de outras batalhas jurídicas.

No fim, o arquivamento não surpreende, mas encerra um capítulo constrangedor da política campineira. Zé Carlos, ex-presidente da Câmara, sai pela porta dos fundos. Não foi cassado, mas saiu confessando. E isso, para a opinião pública, já diz tudo. O estrago está feito — ainda que sem voto em plenário.

A nova secretaria


Divulgação/PMC

A Prefeitura de Campinas oficializou nesta segunda-feira a posse da engenheira Alessandra Herrmann como a primeira secretária municipal de Políticas para as Mulheres. A nomeação encerra uma longa indefinição que marcou o processo de escolha para o comando da nova pasta, criada com forte viés político: o objetivo principal foi ampliar o espaço do Partido Liberal (PL) no primeiro escalão da administração municipal.

Desde a aprovação do projeto na Câmara Municipal, em maio, e a publicação da criação da secretaria no Diário Oficial, a definição do nome para liderar a nova estrutura foi tratada com reserva dentro do governo. O único ponto pacífico era que Grazielle Coutinho ocuparia alguma função – ficou como secretária-adjunta. A escolha de Alessandra Herrmann, considerada um nome técnico e discreto, surpreendeu parte do meio político por não ter trajetória pública conhecida.

A cerimônia de posse ocorreu na Sala Azul do Paço Municipal e contou com a presença de autoridades locais, representantes da sociedade civil e da secretária estadual de Políticas para a Mulher e líder do PL, Valéria Bolsonaro, com quem o Quarto Andar vinha administrando as tratativas.


Divulgação/PMC

Durante o discurso, a nova secretária ressaltou que a cidade abriga 52% de população feminina e que as políticas públicas devem ter impacto real no cotidiano.  Ela explicou que o trabalho será orientado por quatro eixos principais: enfrentamento à violência, autonomia econômica, saúde integral e inclusão social, com articulação entre diferentes secretarias municipais. Segundo Alessandra, a atuação será baseada em dados, escuta ativa e integração entre políticas públicas, “sem improvisos e com foco na participação direta das mulheres”.

A nova secretaria também será responsável por conectar os serviços já existentes no município, como o Ceami (Centro de Referência e Apoio às Mulheres) e o Seravi (que atua com autores de violência doméstica), com as novas ações de proteção, prevenção e apoio à mulher.

A cerimônia contou ainda com discursos do vice-prefeito Wanderley de Almeida, do presidente da Câmara, Luiz Rossini, da vereadora Débora Palermo (PL), e da secretária estadual Valéria Bolsonaro, que enalteceu a sensibilidade do governo ao criar estruturas específicas para mulheres.

  • Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.

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