
A Câmara Municipal de Campinas entrou em recesso. E nunca a pausa foi tão necessária. O primeiro semestre da nova legislatura foi um furacão político que atropelou o parlamento com crises sucessivas, polêmicas desgastantes e, principalmente, com o silêncio constrangedor de seus próprios membros. O clima interno é de cansaço. O externo, de descrença.
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Em apenas seis meses, a Casa acumulou mais escândalos e impasses do que em legislaturas inteiras. E não é exagero. Como bem disse um amigo atento aos bastidores do Legislativo: “aconteceu mais nos primeiros seis meses de 2025 do que nos últimos quatro anos.”
O roteiro foi devastador. Começou com a controversa aprovação dos supersalários para presidentes de autarquias — um projeto do Executivo que gerou reações violentas da opinião pública. Foram idas e vindas, atropelos regimentais e um placar que revelou a disposição de parte do plenário em bancar uma medida tão impopula. O desgaste foi inevitável.
Em paralelo, a Casa ainda teve que lidar com a abertura de uma Comissão Processante contra um de seus integrantes, o vereador Vini Oliveira (Cidadania), acusado expor ao filmar profissionais e pacientes no Hospital Mário Gatti. O processo terminou arquivado, como já se esperava, mas escancarou a intenção de “enquadrar” o vereador recém-eleito e barulhento, sem de fato puni-lo. Foi mais um gesto de autopreservação do sistema do que de defesa da ética.
Mas a maior bomba ainda estava por vir. A confissão do vereador Zé Carlos (PSB) de que pediu propina durante sua gestão como presidente da Câmara implodiu qualquer tentativa de blindagem institucional. Ele renunciou minutos antes de ter o pedido de processo de cassação analisado em plenário, encerrando de forma melancólica uma trajetória de seis mandatos. A renúncia foi vista por muitos como uma “saída honrosa”. Na verdade, foi o último ato de um silêncio coletivo. A Câmara demorou a agir, jogou para debaixo do tapete e só se mexeu quando não havia mais como se esconder.
E como se não bastasse, ainda surgiram novas denúncias. Investigações apontam para um suposto esquema de propina para aprovar emendas parlamentares que beneficiariam empreendimentos em áreas de preservação ambiental. O caso ainda é embrionário, mas já adiciona mais um capítulo à crise de imagem da Casa.
No meio disso tudo, houve pelo menos um ponto a ser reconhecido: o debate local se impôs. Numa legislatura que muitos acreditavam que seria marcada por uma polarização nacionalizada — com Lula, Bolsonaro, e eleições 2026 no horizonte — o que se viu, até aqui, foram discussões mais ligadas à cidade. Supersalários, a situação de servidores, caso Cândido Ferreira e a decrépita frota de ônibus. Tudo isso pautou mais do que qualquer narrativa nacional.
Esse talvez seja o único alento num semestre que se encerra com um Legislativo pressionado, enfraquecido e em débito com a população. O recesso não vai apagar o estrago — mas talvez sirva para refletir sobre o tamanho da reconstrução que será necessária a partir de agosto. Se é que há disposição real para isso.
Frota em frangalhos
Reprodução/Rede Sociais
A cada mês de 2025, mais de 2 mil ônibus quebraram nas ruas de Campinas. Em apenas seis meses, foram 12.737 panes registradas no sistema de transporte público da cidade, segundo levantamento oficial da Emdec. A média é de assustadoras 2,1 mil ocorrências por mês, o que revela, com números, o que o campineiro sente todos os dias nos pontos de ônibus: um sistema em colapso.
Campinas é uma das maiores cidades do Brasil e convive com uma frota de ônibus sucateada, que falha, pega fogo, atrasa e coloca em risco a mobilidade de quem depende do transporte coletivo para estudar, trabalhar e viver. A situação já ultrapassou há muito tempo o limite do aceitável e não há mais argumento técnico: o sistema quebrou. Literalmente.
Durante anos, o problema foram medidas paliativas: manutenção emergencial, remanejamento de veículos, aumento de fiscalização. Tudo isso foi vendido como resposta. Mas o número de quebras não caiu — cresceu. E se há algum mérito nesse levantamento da Emdec é o de reconhecer oficialmente o tamanho da tragédia.
A esperança, agora, repousa sobre a licitação do transporte, que caminha com a lentidão dos trâmites burocráticos. A fase de consulta pública do novo edital foi encerrada no último dia 2 de julho e recebeu mais de mil sugestões da população e de empresas. Um bom sinal, não fosse o fato de que o edital definitivo só deve ser publicado no fim do ano — isso se tudo correr bem. Até lá, o caos continua rodando.
Enquanto isso, passageiros seguem sendo penalizados. Os ônibus quebram nos corredores, nas avenidas, nas periferias.
Ainda sem solução
Divulgação/Décio Cesarini Jr.
O Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira planeja a demissão de 114 dos 850 funcionários e o encerramento de oficinas terapêuticas e projetos culturais como forma de adequar os serviços de saúde mental ao valor de R$ 6,5 milhões estipulado pela Prefeitura de Campinas para continuidade do convênio.
As medidas constam do plano de trabalho entregue pela entidade, que gerencia os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade. A proposta é justificada como necessária para “contemplar a prestação de parte dos serviços dentro do valor imposto pelo município”.
O novo plano exclui a realização de atividades importantes para os usuários, como as oficinas de letramento digital e o projeto de comunicação Rádio Maluco Beleza, ferramenta de inclusão e expressão de pacientes em sofrimento psíquico.
O convênio entre a Cândido Ferreira e a Prefeitura está em impasse desde maio. A associação solicitou reajuste de 23% no valor do contrato, alegando defasagem frente ao aumento de custos, mas a administração municipal propôs reajuste de apenas 5%. Sem acordo, a prefeitura obteve liminar na Justiça para garantir a manutenção do contrato por mais seis meses, a partir de 1º de junho, enquanto as tratativas seguem.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.