A Câmara de Campinas mal se preparava para encerrar um capítulo político — o caso Vini Oliveira — e já vê um novo turbilhão varrer o plenário. A palavra, repetida por diversos parlamentares nos bastidores, descreve com exatidão o ambiente que se instalou após o vazamento do acordo de não persecução penal firmado por Zé Carlos (PSB), ex-presidente da Casa e um dos nomes mais experientes do Legislativo.
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A confissão de que pediu propina para manutenção de contratos da TV Câmara, assinada com o Ministério Público e agora de conhecimento público, explodiu como uma bomba política. Embora o acordo tenha evitado processo criminal, a consequência ética e institucional é inevitável. E é esse novo abismo que os vereadores tentam agora atravessar com algum senso de preservação da imagem da Casa — já fragilizada por episódios recentes.
Nos corredores, o cenário é de expectativa silenciosa. Alguns parlamentares apostam que Zé Carlos deve renunciar — e há quem diga que isso pode ocorrer já na segunda-feira, antes mesmo da abertura da Comissão Processante (CP). Outros acreditam que ele segurará até a reta final, talvez buscando uma improvável reversão nos votos, mas o consenso é de que a cassação é irreversível, a não ser que a renúncia a antecipe.
E dessa vez, a situação é mais delicada. Porque o conteúdo vazado aponta que não há mais acusação — há confissão. A fala registrada pelo MP, o pagamento da multa e o compromisso com o Gaeco confirmam a prática do crime. E é exatamente esse ponto que torna indefensável qualquer tentativa de esvaziar o processo político que se inicia na segunda.
Há quem tente se agarrar em precedentes, como o caso do ex-ministro Onyx Lorenzoni, que em 2020 confessou caixa dois, fechou acordo com a PGR, pagou multa e escapou da Lei da Ficha Limpa e de sanções políticas. Mas a comparação tem limites. Onyx respondia por caixa 2 de campanha e não por corrupção passiva na atribuição do cargo e, ainda pior, sendo o comandante da segunda casa mais poderosa do município.
No caso de Zé Carlos, o incômodo é visível até mesmo entre aliados históricos. O deputado federal Jonas Donizette (PSB), ex-prefeito de Campinas e principal liderança do partido na região, reagiu em entrevista ao FPX Cast com a gravidade de quem compreendeu o impacto do episódio. “É uma confissão. Juridicamente ele resolveu, mas politicamente o problema é muito grande. Você está dizendo: ‘eu fiz’.”
Jonas também revelou desconforto interno no partido, e evitou antecipar medidas disciplinares, mas sinalizou que a legenda não deve ignorar os desdobramentos. “Confesso para você que, pelo que eu sinto, o partido também está bastante incomodado. [...] É algo que a Câmara vai ter que lidar com muita seriedade.”
A votação da nova CP está marcada para a sessão ordinária desta segunda-feira (30). A Procuradoria Jurídica já deu parecer favorável à tramitação da denúncia, que cita infração político-administrativa e quebra de decoro, com base no Decreto-Lei 201/67. Com maioria simples, o pedido deve ser aceito e a comissão instalada — e tudo indica que o relatório lá no final recomendará a cassação.
A Câmara, portanto, volta a ser desafiada por si mesma. Em 2023, a própria Casa abriu uma CPI que concluiu haver fatos graves e recomendou o prosseguimento da denúncia. A primeira tentativa de CP, porém, foi rejeitada por falta de apoio político. Agora, com a confissão de Zé Carlos como fato incontornável, a pressão pública é ainda maior.
Se antes a dúvida girava em torno da veracidade da acusação, agora ela gira em torno da coragem institucional de reagir. Porque a pergunta que se impõe é simples e incômoda: os vereadores vão aceitar, calados, que um dos seus — e logo o ex-presidente — tenha confessado pedido de propina no exercício do cargo?
A política local está diante de mais uma prova. E o que está em jogo, além da imagem da Câmara, é a capacidade de autodepuração de um Legislativo que insiste em flertar com a leniência.
Dois pesos, um poder

A Comissão Processante da Câmara de Campinas recomendou, por maioria, o arquivamento da denúncia contra o vereador Vini Oliveira (Cidadania), acusado de quebra de decoro por ter gravado vídeos dentro do Hospital Mário Gatti durante o plantão de Ano Novo. A decisão, que será agora submetida ao plenário na próxima terça-feira (1º), deve ser mantida pela maioria dos parlamentares — e marca um ponto de inflexão num Legislativo que já convive com outra bomba institucional: a confissão de pedido de propina feita por Zé Carlos.
O caso Vini, que já havia perdido fôlego político, encontrou um desfecho menos traumático nesta sexta-feira (27), quando o relator da CP, Nelson Hossri (PSD), apresentou parecer apontando que não houve quebra de decoro, apesar de classificar a ação como mais agressiva. Para ele, o vereador atuou dentro das prerrogativas constitucionais ao fiscalizar o hospital — mesmo que de forma tensa. O voto foi acompanhado por Nick Schneider (PL), formando a maioria necessária para o arquivamento. Divergente, a vereadora Mariana Conti (PSOL) votou pela cassação.
A análise, embora técnica, não ignorou o contexto político mais amplo. Nos bastidores, o novo escândalo envolvendo Zé Carlos pesou na balança. Afinal, como justificar a cassação de um vereador por um ato de fiscalização — ainda que desmedido —, enquanto um colega confessou à Promotoria que pediu propina em troca de contratos com dinheiro público? Esse contraste ético tornou-se insustentável entre os próprios parlamentares.
A pergunta que ecoou nos corredores do Legislativo foi direta: é proporcional punir um jovem vereador por um vídeo e manter impune um parlamentar que admitiu corrupção? Em uma Câmara fragilizada, a resposta — por ora — parece ter sido a prudência de não cometer dois erros seguidos.
Ao recomendar o arquivamento, a maioria da CP procurou proteger não só Vini, mas também a legitimidade institucional do Legislativo, conforme frisou Nick Schneider: “Não é a defesa do vereador Vini, mas da instituição e de um mandato popular”. Com mais de 11 mil votos, Vini é o segundo mais votado da atual legislatura e se tornou, queira-se ou não, um símbolo de ruptura com a política tradicional.
A decisão da CP deve ser ratificada pelo plenário. Nenhum movimento relevante até agora indica mudança de cenário. O ambiente político, que já se preparava para o recesso na próxima semana, não comporta dois tensos processos simultâneos — muito menos duas cassações. Seria uma implosão em série que a Câmara tenta, com dificuldade, evitar.
Em resumo, o Legislativo campineiro fez uma escolha prática e política. O caso de Vini deve ser encerrado com a lógica de que a atuação parlamentar pode ser ríspida, mas é legítima. Já a corrupção confessada, essa sim, é inaceitável — e ainda aguarda resposta.
O plenário decidirá na terça. Mas o veredito político parece já ter sido selado. Vini fica. Zé Carlos, ainda não se sabe.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.