
A aprovação em primeira discussão do projeto que separa a presidência da Cohab da Secretaria de Habitação marca mais do que uma simples reorganização administrativa: escancara a estratégia do governo Dário Saadi (Republicanos) de abrir novos espaços no alto escalão para acomodar partidos aliados, especialmente o Podemos, que ganha protagonismo com o novo movimento.
- Clique aqui para fazer parte da comunidade da Sampi Campinas no WhatsApp e receber notícias em primeira mão.
Nos bastidores, o nome do vereador Luiz Cirilo (Podemos) aparece como "cotadíssimo" para assumir uma das duas posições – ou a Secretaria de Habitação ou a própria Cohab. A expectativa é que a votação definitiva, prevista para a próxima segunda-feira, confirme a reconfiguração institucional que, na prática, cria mais uma cadeira de comando no governo municipal. A justificativa oficial é de “eficiência administrativa”, mas não há como ignorar o viés político do gesto.
Esse é mais um capítulo do cumprimento dos acordos costurados durante a campanha de reeleição de Dário, quando a governabilidade dependia do engajamento de legendas como o Podemos. A própria ocupação da recém-criada Secretaria do Clima por Adegas Junior, coordenador regional do partido, foi uma amostra da expansão da legenda dentro da estrutura municipal. Com a provável chegada de Cirilo, o Podemos passaria a ter duas pastas sob seu guarda-chuva, consolidando força na base.
A movimentação, aliás, indica que o Quarto Andar começa a operar com mais nitidez a lógica de redistribuição de espaços no novo mandato. Se, em janeiro, o desenho do secretariado foi mantido com poucas alterações, agora vemos as engrenagens partidárias sendo ajustadas. Cirilo, que chegou a ser cogitado para a Secretaria do Clima, não ficou de fora do jogo. Pelo contrário: aguardou sua vez e agora está prestes a ser acomodado, como manda a cartilha política.
Do ponto de vista institucional, a proposta enviada à Câmara vem acompanhada de um estudo de impacto orçamentário, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal, para evitar que a criação da nova função cause desequilíbrio nas contas públicas. Mas, no fundo, o que se vislumbra é o avanço de uma administração que ajusta a estrutura à dinâmica política, e não o contrário.
A manobra pode ser interpretada como habilidosa para manter a base aliada coesa, engajada e agrada um partido que cresceu, mas também levanta questões sobre a real necessidade de duplicar cargos de comando, sobretudo em um cenário que exige eficiência e contenção de gastos. O tempo dirá se a separação das funções renderá os benefícios prometidos ou apenas inchou a máquina para acomodar interesses.
Seja como for, a dança das cadeiras começou em Campinas, e o movimento da Cohab pode ser o primeiro de outros ajustes que virão. Afinal, a política é feita de espaços — e o governo Dário começa a redesenhar os seus.
E o PP?
Se no xadrez político da Prefeitura de Campinas o Podemos já movimenta peças com força, o Progressistas (PP) é outro partido que observa com atenção os próximos lances no tabuleiro, à espera de expandir o espaço que lhe foi prometido ainda na campanha de reeleição de Dário Saadi (Republicanos). A área de transporte foi a moeda ofertada em troca do apoio formal à governabilidade, mas até agora nada se concretizou. Vale lembrar - e aqui agradeço a um atento leitor - que Marcelo Coluccini, presidente municipal do PP, já ocupa a pasta de Planejamento.
O que se viu no início do novo mandato foi a manutenção da dupla Fernando de Caires (secretário de Transportes) e Vinicius Riverete (presidente da Emdec). A escolha pela continuidade teve motivações práticas: com o processo da licitação do transporte público atolado por fracassos sucessivos, o governo avaliou que uma mudança radical na estrutura poderia gerar ainda mais desgaste e jogar areia nos já emperrados trilhos do edital.
Porém, a recente publicação da nova minuta da consulta pública reacendeu os movimentos de bastidores. A pergunta que paira no ar é: o PP vai manter a paciência e esperar todo o desenlace da licitação? Ou, com o processo minimamente colocado na rua, tentará avançar sobre as cadeiras que lhe foram prometidas?
A fome de Dário
A expressão “fome de poder” talvez soe forte demais, mas a sede de protagonismo do prefeito Dário Saadi (Republicanos) está cada vez mais evidente no cenário político nacional e regional. Já consolidado como chefe do Executivo de uma das maiores cidades do país, Dário empilha agora funções estratégicas: é presidente do Consórcio Conectar, do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e, mais recentemente, foi reconduzido como vice-presidente de Saúde da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Não há exagero em dizer que o prefeito transformou sua atuação em uma espécie de mandato expandido. O foco tem sido, claramente, a saúde, afinal Dário é médico, porém a área é um 'calcanhar de aquiles' de toda administração. O prefeito tenta ampliar influência ao criticar a defasagem da tabela do SUS, hoje símbolo da sobrecarga financeira imposta aos municípios.
Mas Dário não atua apenas como técnico. Seu movimento é político. Ao assumir cadeiras em diferentes conselhos e entidades, cria uma rede de poder que vai muito além da cidade que administra.
Por ora, o prefeito continua jogando em múltiplos tabuleiros. Se vai dar conta de todas essas frentes e se a cidade sentirá ou não o impacto desse acúmulo de funções, é outra história. Mas uma coisa é certa: o prefeito de Campinas está cada vez mais longe de ser apenas um gestor municipal, umas das críticas que fiz ainda em 2023. A ver até onde essa fome o levará.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.