
O recuo da Prefeitura de Campinas no projeto de construção de um reservatório antienchente na Praça Ralph Stettinger, no Cambuí, pode ser lido como uma vitória momentânea da pressão ambiental e da mobilização, mas expõe também uma gestão que tem dificuldades na área planejamento urbano com preservação ambiental. Por sinal, é justamente nesta questão que a oposição surfa em praticamente todas as sessões na Câmara.
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A proposta original, que previa a derrubada de 386 árvores causava espanto pela escala de supressão. A área verde em questão está situada em um dos trechos mais densamente arborizados da Avenida Norte-Sul, abriga espécies nativas e centenárias e se tornou uma espécie de símbolo vivo da resistência ambiental em meio ao adensamento urbano acelerado.
A ironia se impõe quando se nota que a mesma gestão municipal que acaba de lançar um programa de miniflorestas urbanas estava prestes a devastar uma consolidada. A Praça Ralph Stettinger é, por si só, um modelo real daquilo que a Prefeitura diz querer construir futuramente — uma área que já presta serviços ambientais importantes como regulação térmica, absorção de carbono, proteção da biodiversidade e oferta de sombra e bem-estar urbano.
A pressão surtiu efeito. A mobilização do Ministério Público, que abriu investigação ambiental a partir de denúncia anônima, somada à repercussão entre entidades ambientais e redes sociais, forçou o poder público a parar e reconsiderar. Segundo a própria Secretaria de Infraestrutura, o projeto será reformulado para reduzir a supressão de árvores. É o mínimo esperado.
Mas o recuo, ainda que bem-vindo, levanta inúmeras dúvidas: Quanto tempo levará a readequação do projeto? A nova versão realmente evitará a derrubada em massa? Há alternativas técnicas viáveis para evitar impacto severo à vegetação e seguir em frente com a proposta? O cronograma será comprometido?
A obra antienchente é necessária, ninguém nega. Campinas vive um histórico de inundações graves, e o plano de construir oito reservatórios subterrâneos é uma tentativa robusta de mitigar o problema. Mas, como o próprio secretário Carlos Barreiro admitiu, cada reservatório exige uma solução personalizada — e isso deveria ter sido o ponto de partida, não de chegada.
Além disso, a tentativa de justificar o projeto com base em compensações ambientais e licenciamento regular não convence. A lógica de “corta-se aqui e planta-se ali” é ultrapassada e simplista. Áreas como a Ralph Stettinger levam décadas para atingir o grau de maturidade que possuem hoje. E mais: compensar com mudas não é o mesmo que preservar árvores adultas em ambiente urbano, onde o índice de sobrevivência de replantio é baixo.
A lição que fica é que uma cidade que preza pela sustentabilidade não pode tratar áreas verdes consolidadas como terreno neutro. A sensibilidade com o meio ambiente precisa vir antes do desenho do projeto, não como ajuste de última hora.
Por enquanto, um armistício está firmado entre Prefeitura, MP e sociedade civil. Mas a batalha não está encerrada. Campinas precisa mostrar que pode, sim, ser exemplo em engenharia urbana moderna sem abrir mão de suas joias verdes. A reformulação do projeto será um verdadeiro teste de coerência para a gestão Dário Saadi.
A lógica invertida
A recente declaração do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em Piracicaba, sobre a possibilidade de retirada da Rodovia Luiz de Queiroz (SP-304) do pacote de concessão da Rota Mogiana, marca um aparente recuo político — mas traz embutida uma ameaça implícita e preocupante.
Diante da forte reação contrária à instalação de pedágios, o governador mudou o discurso. Se antes classificava a rejeição como irrelevante, agora passou a considerar o clamor popular e admite tirar a rodovia do plano. Porém, a mudança veio com um recado claro: sem pedágio, não tem investimento.
A afirmação soa quase como uma chantagem institucional: ou a população aceita pagar por algo que já deveria ser responsabilidade do Estado, ou continuará à mercê do abandono e da precariedade. A lógica é perversa, porque a SP-304 já está sob gestão do governo estadual, que, mesmo sem concessão, é o responsável direto pela manutenção e segurança da via — e, convenhamos, tem falhado historicamente nessa função.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.