POLÍTICA

Tempo Perdido

Com a cidade mergulhada em uma crise de saúde, a Câmara de Campinas vai debater os supostos “malefícios das músicas com letras que façam apologia ao crime ou ao uso de drogas”.

Por Flávio Paradella | 16/03/2024 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para a Sampi Campinas

Divulgação/CMC

Projeto de Nelson Hossri está na pauta desta segunda-feira
Projeto de Nelson Hossri está na pauta desta segunda-feira

E lá vamos nós novamente. Colapso na saúde? Não. Epidemia descontrolada de dengue? Nada. Atraso no BRT? Esqueça. O que a Câmara vai debater será o Projeto Anti-Funk.

Sim, está programado para a pauta desta segunda-feira o projeto de autoria do vereador Nelson Hossri, que "dispõe sobre a implementação de programa junto à rede de educação pública e privada do município de Campinas com o objetivo de orientar os pais, responsáveis e alunos e capacitar os professores sobre os malefícios das músicas com letras que façam apologia ao crime ou ao uso de drogas ou que contenham expressão pornográfica ou linguajar obsceno".

Apesar da amplitude da justificativa, a proposta tem como alvo um gênero musical, um dos mais populares do país. Pauta conservadora e de costumes, chama atenção que o programa a ser implementado não se restringe à rede pública, mas avança sobre as escolas privadas.

Em um país livre, gosto é gosto e cada um escuta o que quiser ouvir. Posso ter restrições a este ou aquele gênero musical, mas não cabe a mim ou a um vereador falar sobre os supostos malefícios de letras de uma canção, ou de qualquer tipo de arte.

Esse país já viveu sob uma brutal ditadura que, entre tantos absurdos, ainda censurava jornais e a classe artística. Nasci no caminho das Diretas em rumo à redemocratização, mas os sinais das trevas ainda permeavam os anos 80. Tive um disco da Blitz com as últimas faixas que vinham, de fábrica, riscadas, e um LP do Ultraje a Rigor com a informação de que determinada faixa não poderia ser veiculada nas rádios. Isso era apenas uma amostra daquele tempo sombrio.

Agora, vemos de tempos em tempos alguns saudosos do supremo poder do estado que, sempre que instigado, fica insaciável. Toda vez que se aumenta o poder censor, ele tende a aumentar, pois como um câncer se estabelece e cresce.

O vereador veste a carapuça de Pedro de Lara, apelido imposto por seus colegas de legislativo, e cria um projeto que vai gerar engajamento e mídia. Não nego, mordi a isca, mas é perigoso incentivar este tipo de proposta que, mesmo que não censure diretamente, mas tal qual um jurado indica que algo extremamente subjetivo não deva ser consumido.

Faroeste Caboclo

“Logo logo os maluco da cidade souberam da novidad

‘Tem bagulho bom ai!’

E João de Santo Cristo ficou rico

E acabou com todos os traficantes dali”

Uma estrofe de Faroeste Cabloco, clássico da Legião Urbana, que se enquadra em “letras que façam apologia ao crime ou ao uso de drogas”.

Mais do Mesmo

Ok, o vereador Nelson Hossri é responsável por propor tal projeto, mas o que falar da Comissão de Constituição e Legalidade que se reúne e dá parecer favorável para tal projeto e tantos outros com clara inconstitucionalidade entrarem em pauta, quando o colegiado de vereadores já poderia ter barrado?

A Dança

A janela partidária começou. O vereador Luiz Cirilo não faz mais parte do PSDB. O único tucano na Câmara de Campinas deixou a sigla e sua desfiliação já consta no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo.

Advogado Direito e tendo ocupado o cargo de vice-presidente da OAB-Campinas, Cirilo encerra um ciclo de quase 13 anos de filiação ao partido. O vereador está no quarto mandato consecutivo e para esta legislatura foi eleito em 2020 com 3593 votos.

A saída de Cirilo era esperada até mesmo antes de hecatombe que atingiu o PSDB de Campinas, mas não deixa de ser mais um episódio no agonizante ninho tucano.

O destino de Cirilo ainda será anunciado oficialmente, porém o vereador deve se juntar ao colega de plenário Eduardo Magoga e passar a integrar o PODEMOS.

Perdidos no Espaço

Fica a expectativa de outras mudanças mais sensíveis. Qual será o destino do presidente Luiz Rossini e do líder de governo Paulo Haddad?

Os dois parlamentares compõem a base do governo Dário Saadi, porém os partidos em que estão filiados fazem parte de acordos com os adversários do prefeito nas eleições de outubro.

Rossini está no PV desde 2001 e se vê compelido a deixar a sigla que está em Federação com o PT de Pedro Tourinho. Paulo Haddad é do Cidadania, legenda da qual faz parte desde 2003 quando ainda se chamava PPS, o mesmo partido de Rafa Zimbaldi.

Que vão sair é uma certeza, mas para onde vão aí que resta a dúvida. Luiz Rossini tem conversas adiantadas com o Republicanos, partido que abriga o prefeito Dário. Haddad estava próximo do PSD, que agora acolheu Carlos Sampaio. Porém, há muita volatilidade nas aproximações.

Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada na Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br

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