POLÍTICA

A Ira de Dário

A questão aqui não é negar a importância de fornecer moradias mínimas e seguras para famílias em situação de vulnerabilidade. É reconhecer que é possível e necessário fazer mais.

Por Flávio Paradella | 13/06/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para a Sampi Campinas

Divulgação/Eduardo Lopes

As casas 'embriões'
As casas 'embriões'

A história exclusiva do portal Sampi sobre as casas embriões de 15 m² na Ocupação Mandela, em Campinas, viralizou nas redes sociais e resultou na ira do prefeito Dário Saadi (Republicanos).

A matéria, publicada na Sampi na última semana e no caderno especial Documento OVALE, do jornal OVALE Superedição Campinas, aborda o projeto habitacional de moradias populares implementado pela administração municipal.

A construção dos cubículos destinados a abrigar famílias de até sete pessoas em Campinas foi duramente criticada por especialistas e políticos da cidade. A vereadora Paolla Miguel (PT) expressou sua indignação nas redes sociais, classificando o projeto como "absurdo" e as casas como "moradias de situação sub-humana".

Possesso
A combinação da reportagem com sua viralização nas redes sociais e as críticas da vereadora de oposição provocaram a ira do prefeito Dário Saadi, que também se manifestou nas redes sociais, deixando claro sua revolta, que ultrapassava os limites dos 15 m² das casas.

Dário, em um tom mais ríspido, declarou que, do ponto de vista judicial, a prefeitura estaria apenas obrigada a fornecer um terreno com água e energia elétrica para as famílias da ocupação, mas que, além disso, decidiu urbanizar a área e, com o consentimento dos moradores, deu início à construção das casas embriões.

A partir desse ponto, o prefeito partiu para cima da oposição com uma agressividade nunca antes vista. Saadi afirmou que "agora eu vejo gente do PT, por exemplo, criticar. A esquerda é assim: não constrói e critica (...) lacrar em rede social, fazer postagens criticando é fácil".

Por fim, o prefeito de Campinas defendeu o projeto das mini-casas, afirmando que ele proporciona maior dignidade às famílias, que antes viviam em barracos em áreas irregulares e carentes de infraestrutura.

Reprodução/Instagram

Tropa de Choque
É, mas a situação não parou na postagem. A Tropa de Choque de vereadores que apoiam o governo fez até fila para defender o projeto das casas "embriões" no Mandela, na sessão ordinária da Câmara de Campinas, na noite desta segunda-feira.

Nada mais, nada menos que cinco parlamentares se dedicaram a enaltecer a proposta da COHAB-Campinas: Carlinhos Camelô (PSB), Paulo Haddad (CIDAD), Rodrigo Farmadic (UNIÃO), Arnaldo Salvetti (MDB) e Zé Carlos (PSB). Este último ressaltou que as "embriões" são apenas o início, pois os terrenos têm 90m² e as famílias terão a possibilidade de construir.

Podemos mais
Um ponto é fato: o projeto das casas embriões de Campinas desrespeita diretrizes da ONU (Organização das Nações Unidas) para moradias dignas. Outro ponto também: as moradias são muito mais dignas e seguras do que os barracos.

É aí que nós, que somos privilegiados, nos perdemos na argumentação. Comparamos realidades sem entender o que é viver em uma situação de extrema pobreza e fazemos a reflexão de maneira simplista. Ora, antes era muito pior e agora, ao menos, há uma estrutura. E, sim, as próprias famílias pensam dessa forma, mas elas vivem uma situação desesperadora há muito tempo. Lembre-se, elas precisaram recorrer a uma invasão de terreno, enfrentaram batalhas judiciais, ações policiais e condições de insalubridade.

A reflexão que devemos fazer é se o projeto, mesmo sendo piloto, embrião, modelo, qualquer que seja a nomenclatura da prefeitura, não poderia ser melhor. Será que uma cidade com um orçamento de R$ 9 bilhões só tinha isso a oferecer? Será que a tão propagada "metrópole" em eventos com a elite do país e viagens internacionais não deveria criar condições melhores? Será que o município que impulsiona absurdamente o mercado imobiliário de alto padrão não poderia conceber um plano mais digno? Eu acredito que sim.

A questão aqui não é negar a importância de fornecer moradias mínimas e seguras para famílias em situação de vulnerabilidade. É reconhecer que é possível e necessário fazer mais. Como sociedade, devemos exigir que o poder público trabalhe em busca de soluções habitacionais que não apenas atendam a uma demanda emergencial, mas que também promovam dignidade e melhorem a qualidade de vida dessas famílias.

Não podemos nos contentar com projetos que desrespeitam diretrizes internacionais e sejam apenas uma solução paliativa. É preciso ir além e buscar alternativas que ofereçam um caminho sustentável para a superação da pobreza e a promoção da inclusão social.

E lá vamos nós de novo

Divulgação/CMC

Não cansados de polêmica, os vereadores de Campinas aprovaram um requerimento de urgência para colocar em votação o projeto de lei do parlamentar de direita Nelson Hossri (PSD) que proíbe a participação de pessoas trans em modalidades esportivas femininas na cidade.

Se houve tropa de choque de um lado, também houve tropa de choque de esquerda para atacar a proposta. Mariana Conti (PSOL), Guida Calixto (PT), Paolla Miguel (PT) e Paulo Bufalo (PSOL) subiram à tribuna e classificaram o projeto como preconceituoso.

Hossri ouviu todas as críticas e aguardou a aprovação para se manifestar, enviando um recado à bancada de esquerda. "Não se trata de preconceito, mas sim de respeito às mulheres. Quem respeita as mulheres sou eu", concluiu o vereador, sob o olhar do presidente da Câmara de Campinas, Luiz Carlos Rossini (PV), visivelmente impaciente com a discussão.

O debate promete ser acalorado com a votação que está programada para ocorrer na próxima segunda-feira, dia 19 de junho.


Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada na  Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. É veiculada também pelo jornal OVALE Superedição Campinas, aos sábados. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br

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