São 47 anos de vida, 30 de Artur Nogueira e 20 de Carnaval. Anos longos, de desafios e trabalho, muito trabalho, mas que levaram a cabeleireira Cissa Martins ao posto de ícone da cidade e, recentemente, de Rainha do ‘Carnatur’, um dos maiores carnavais da região.
Foi no dia 28 de janeiro, um sábado, que o sonho foi realizado. A rainha foi coroada e recebeu um prêmio de R$ 2 mil. Desfilou pelo palco, pousou para fotos, deu entrevista... afinal, acabara de se tornar a primeira musa trans do evento que atrai milhares de foliões de diversas cidades: “nunca desista do seu sonho, nunca”, pontua, com a motivação de alguém que acabou de atingir o auge.
A cabeleireira separou um tempo na agenda apertada e contou a trajetória como moradora de Artur Nogueira e como foliã. Trabalho, vida, dramas e relacionamento: os pormenores da história que a levou ao que chama de “estabilidade máxima”.
Mudança de ares
Cissa Martins nasceu em 1975 é natural de Mogi Mirim. Viveu na cidade até os 17 anos. Dois anos antes, aos 15, ela assumiu aos pais e família a sexualidade.
“Eu sempre me via como uma menina, nunca me vi como um menino. Fui criada como um menino, normal, até meus 15 anos, quando descobri que era gay. Contei para o meu pai, para minha mãe e meus irmãos - eu sou de uma família grande, são quatro irmãos e quatro irmãs. Na hora ficaram um pouco tristes, mas relevaram”, conta inicialmente.
Com 17 anos, quando se mudou para Artur Nogueira, Cissa passou a fazer tratamentos hormonais. Com 20, fez a primeira cirurgia, uma rinoplastia – procedimento para mudar o formato do nariz.
“Fiz plásticas, fiz (cirurgias) na barriga, no bumbum, nos seios. Todas as cirurgias possíveis que eu consegui fazer, fiz”, explica.
As mudanças foram dando ao corpo traços da identidade que Cissa buscava, mas faltava o nome, um nome que exprimisse sua verdadeira personalidade.
“Meu nome, eu consegui por ordem judicial depois de 11 anos de luta. Fiz aqui em Artur Nogueira mesmo com um advogado daqui que conseguiu”.
Consolidando
O ‘novo nome’ deu a Cissa a oportunidade de se projetar à cidade, além de possibilitar a candidatura ao concurso de rainha.
A cabelereira é formada como técnica em radiologia e trabalhou por 11 anos em uma indústria de tecidos. Em 2002 começou no ramo de estética e as portas da cidade foram se abrindo.
Carnaval
“Desde criança participo do carnaval de Artur Nogueira nos blocos, depois comecei a ser destaque e assim por diante. Muita luta. Consegui chegar a ganhar troféus, a facha de musa e agora em 2023, de 20 anos aí de histórias e carnavais, eu consegui ser rainha”, conta sobre a relação com a folia nogueirense.
O concurso de rainha é realizado pela prefeitura da cidade. Pelo site, a prefeitura disse que “mais que uma conquista, a coroa é histórica para o município”.
A rainha é escolhida por votação popular. Além do prêmio de R$ 2 mil e da coroa, Cissa ainda recebeu presentes de comércios que apoiam o evento.
No texto publicado, a administração ressaltou também que a coroação de Cissa “abre alas para a inclusão de gênero no Carnaval de Artur Nogueira”.
A festa nogueirense é considerada uma das maiores e mais tradicionais da RMC (Região Metropolitana de Campinas). A folia tem mais de 80 anos e entre os destaques está o ‘Bloco da Vaca’, cujo entretenimento é protagonizado por um folião fantasiado de vaca que tenta derrubar os demais. O objetivo é não cair.
Neste ano, a festa deve acontecer entre 17 e 21 de fevereiro, na região central da cidade.
O auge
Casada há 7 anos, consolidada profissionalmente e rainha. A relação de Cissa Martins com Artur Nogueira parece ter chegado ao Auge. Para conseguir a premiação, ela foi incentivada por amigos e clientes. Coroada, o que resta é emoção e gratidão.
“Ser rainha de Artur Nogueira é um sonho desde adolescente. Isso significa para mim tudo. Conquista, batalha, luta, felicidade, realização, tudo”.
A rainha conclui mandando um recado: “para você que tem um sonho corre atrás. Corra, não desista nunca, porque um dia, você vai conseguir realizar”.