DELÍCIA

Marrom glacê caipira

O 'marron glacé', que aportuguesamos para marrom glacê, iguaria sofisticada que os franceses têm como ícone da sua refinada confeitaria, entre nós se transformou num doce totalmente diferente.

Por Sonia Machiavelli | 29/08/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Marrom glacê vai muito bem com queijo fresco branco
Marrom glacê vai muito bem com queijo fresco branco

Ingredientes

1 kg de batata doce

1 ½ xícara de chá de açúcar cristal

2 sachês gelatinas sem sabor

1 colher (chá) de essência de baunilha

1 colher (chá) de canela em pó

1 cálice de marrasquino (licor de cereja)

A criatividade do brasileiro é característica reconhecida por diferentes culturas. Às vezes no sentido positivo, outras com certo descrédito, quase sempre com bom humor diante do inusitado. Ela transparece em diversas atividades e situações. Na culinária não poderia ser diferente.

Muitos pratos de outras terras são aqui reinventados, seja por conta da inexistência de ingredientes, seja por desconhecimento de técnicas gastronômicas. Assim, o marron glacé, que aportuguesamos para marrom glacê, iguaria sofisticada que os franceses têm como ícone da sua refinada confeitaria, entre nós se transformou num doce totalmente diferente. Na França, prepará-lo é bem trabalhoso. As castanhas que caem das árvores no outono devem ser peladas, depois cozidas em calda de açúcar perfumada com baunilha (não a essência, mas a verdadeira, sementinhas retirada de favas muito caras), secas ao ar livre e, por fim, acomodadas em forminhas ou embaladas  para presente. No Brasil, virou um tipo de marmelada, dessas em ponto de corte, feita com batata-doce. O curioso é que o sabor, a cor e o cheiro do nosso doce ficam bem parecidos ao das castanhas.  Não é o máximo?

Andei pesquisando para saber quem teria criado a versão brasileira. Oficialmente, o produto foi  industrializado  nos anos 50 pela antiga Companhia Industrial de Conservas Alimentícias, a Cica, cujas peças publicitárias foram mantidas intactas na memória das crianças que assistiam a programas infantis na televisão brasileira, já nos anos 60. O elefante da Cica, que anunciava o extrato de tomates, quem dele se esqueceu?

Profissionais da área de alimentação da empresa reuniram à batata-doce o ágar-ágar, uma substância retirada de algas marinhas, a fim de obter  textura; e  para  conferir durabilidade, usaram um  conservante feito com ácido cítrico, proveniente de limões e laranjas. Reza a lenda que o doce já era então conhecido pelos argentinos como “ dulce de batata a la vainilla” e saboreado com queijo, biscoitos ou pão, tendo por companhia o chá. Acredita-se que a Cica, ao lançar no Brasil o seu marrom glacê, tenha se inspirado no item da culinária portenha. Imitação da imitação, pois; em que não há nenhum demérito, seja dito. Parte superior do formulário

O siciliano Antonino Messina, assessorado pelo filho Salvador, vice-presidente da empresa até ela ser vendida ao Grupo Ferruzzi, em 1987, já havia lançado os célebres Figos Ramy quando se encantou pelo doce argentino. Fizeram-se adaptações, procurando-se variedades de batatas desenvolvidas pelo Instituto Agronômico de Campinas, que à época havia cruzado tubérculos plantados por agricultores daquela região. Tendo em mãos batatas  realmente doces, pois as de polpa branca eram insossas, os Messina investiram em maquinário para descascá-las mais rapidamente e cozinhá-las a vapor. Assim obtiveram um produto com textura e aroma apetitosos, além de cor que evocava o acastanhado do marrom-glacê. O doce fez sucesso por muito tempo.

Em 1993 a Unilever comprou a marca Cica e pouco depois a licenciou para a Fugini. Essa quase a retirou do mercado, mas recuou ao ver que outras indústrias começavam a produzir o doce. Porém, os consumidores do primeiro marrom glacê da Cica, como eu, mantêm na memória afetiva aquele gostinho diferente da novidade, nem sempre acessível aos bolsos mais pobres.  Se quiser conhecer esse sabor, experimente a receita. Acho que ela se aproxima bastante daquela de tempos passados.

Descasque as batatas, corte em pedaços, coloque em panela com água e cozinhe até ficar macia. Escorra, passe pelo espremedor, peneira ou processador. Disponha a massa de batatas numa travessa, agregue uma  xícara de açúcar e mexa. Derreta o açúcar restante em uma panela até obter um caramelo. Adicione a batata-doce triturada ao caramelo e mexa. É ele que vai dar cor ao doce. Dissolva a gelatina conforme indicação da embalagem e  agregue. Baixe a chama e mexa continuamente até obter uma textura homogênea. Adicione a essência de baunilha, a canela em pó e o licor- são esses três ingredientes que farão a diferença, aproximando o sabor da batata-doce ao das castanhas. Mexa sem parar até que comece a soltar do fundo da panela. Coloque em um refratário untado com manteiga e leve para a geladeira por três horas, no mínimo. Desenforme e sirva. Vai muito bem com queijo fresco branco.

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