Frango ao leite

Peito de frango, milho, vagem, cebola, cheiro-verde e muito carinho fazem desse prato um daqueles que nos levam a pensar que comida preparada com afeto alimenta corpo e alma

20/01/2019 | Tempo de leitura: 4 min

“Quando ouviu dizer que eu ia à cidade, Vovó Ndzima emitiu as maiores suspeitas:

– E vai ficar em casa de quem?

– Fico no hotel, avó.

– Hotel? Mas é casa de quem?

Explicar, como? Ainda assim, ensaiei: de ninguém, ora. A velha fermentou nova desconfiança: uma casa de ninguém?

– Ou melhor, avó: é de quem paga – palavreei, para a tranquilizar.

Porém, só agravei – um lugar de quem paga? E que espíritos guardam uma casa como essa?

A mim me tinha cabido um prémio do Ministério. Eu tinha sido o melhor professor rural. E o prémio era visitar a grande cidade. Quando, em casa, anunciei a boa nova, a minha mais-velha não se impressionou com meu orgulho. E franziu a voz:

– E, lá, quem lhe faz o prato?

– Um cozinheiro, avó.

– Como se chama esse cozinheiro?

Ri, sem palavra. Mas, para ela, não havia riso, nem motivo. Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece.

– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela. – Cozinhar é um modo de amar os outros.”

Este é um trecho de relato de Mia Couto, escritor moçambicano que tem em nosso país uma legião de leitores. A última frase da transcrição acima tem sido bastante repetida nos sites de culinária e nas redes sociais. E, de fato, traduz algo que precisa ser resgatado e valorizado. Sim, cozinhar é um modo de amar os outros; é uma expressão de afeto. Só que disso apenas têm exata percepção os que gostam de preparar alimentos para si, para os seus, para os amigos, e até mesmo para estranhos.

Vivemos num mundo onde o cotidiano é marcado pela atribulação e pela pressa. Dessa forma, a escolha dos ingredientes para as refeições diárias muitas vezes é feita pensando-se na praticidade de preparo, na facilidade de lavar louças, talheres e panelas, no preço também, claro. Hoje, a maioria das pessoas que cozinham segue protocolos que priorizam facilidade máxima na limpeza, no corte e no cozimento. Para evitar fadiga e minimizar o tempo de preparo nada é muito elaborado. Mas, dependendo do momento e da intenção, a gente pode caprichar um pouquinho. Desde o momento das compras até o instante de servir o que preparamos, é possível temperar um prato com nossas pitadas de carinho.

 Minha mãe escolhia quiabos um a um, cortando sua pontinha para ver se estavam quebradiças e, portanto, em boas condições. As batatas eram examinadas pela cor e ausência de brotos. Tomates não podiam ter nenhum amassadinho. Feijão precisava ser de safra nova; mas arroz, de safra velha. Arroz novo empapava; feijão velho ficava cascudo. O cardápio era dos mais simples, mas feito com muito capricho. Nunca mais comi folhas de couve picadas tão finas como as dela; nem vagem cortada na diagonal, todos os pedaços do mesmo tamanho, como se medidos com a fita métrica que ficava na gaveta da máquina de costura. Bom também era o mexidinho da janta, com tudo o que havia sobrado do almoço, mais gotinhas de pimenta, cheiro verde picadinho, farinha para dar liga ao que era pouco mas se tornava ampliado pelos cuidados. Servido em tigelinhas brancas de bordas azuis, era um banquete. A gente sentia o gosto dos alimentos, a temperatura exata em que eram servidos, a textura agradável ao paladar, um tipo de amor colocado que se combinava com nossas emoções infantis. Aquela mistura de sensações no paladar me desperta até hoje profundo sentimento de gratidão e muita saudade. É uma experiência que não possui quem foi alimentado com única finalidade de sustentar o físico, jamais a alma.

É lembrando tempos passados que trago a receita de hoje, o frango ao leite, que pode substituir o filé grelhado e sem graça do dia a dia.

Faça assim. Tempere o frango com dois cubinhos de caldo de galinha dissolvidos em quatro colheres de água fervente. Deixe tomar gosto por uma hora. Enquanto isso, corte as espigas em rodelas de três cm e cozinhe. Retire das vagens os fios laterais e corte pedaços de cinco cm, em diagonal, se possível no vapor. Devem ficar al dente. Doure então os pedaços de frango na margarina; junte cebola e tomate picadinhos. Mexa e agregue o molho inglês, refogando bem. Acrescente o leite, o tablete de caldo que sobrou, cozinhe em fogo baixo por 20 minutos. Junte o milho, a vagem em pedaços, a salsa picadinha. Misture. Deixe mais cinco minutos no fogo. Sirva em seguida.


ingredientes

1 kg de peito de frango em cubinhos
3 cubos de caldo de galinha
4 colheres (sopa) de margarina
1 cebola média picadinha
2 tomates pequenos (sem pele e sem sementes)
1 colher (sopa) de molho inglês
2 xícaras (chá) de leite
2 espigas de milho-verde
250 gramas de vagem cozida
1/2 xícara (chá) de salsa


Passo a passo

Doure os pedaços de frango marinados na manteiga

 

 

Junte cebola, tomate, molho inglês e refogue

 

 

Acrescente o leite, o tablete de caldo, cozinhe em fogo baixo

 

 

Agregue o milho cortado e as vagens picadas, ambos cozidos

 

 

Salpique a salsinha e sirva bem quente
 

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