Stroganov, o russo

Viajando pela Rússia em julho, procurei pelo verdadeiro estrogonofe, prato de agrado de grande parte dos brasileiros que o foram

19/08/2018 | Tempo de leitura: 4 min

 500 g de filé mignon
 2 cebolas médias
 4 colheres (sopa)de óleo de milho
 1 colher (sobremesa) de manteiga
 3 xícaras (chá) de smetána
 ½ xícara de farinha de trigo
 1 colher (chá) de páprica
 2 colheres de salsinha picada
 Sal a gosto
 Pimenta a gosto
 
Viajando pela Rússia em julho, procurei pelo verdadeiro estrogonofe, prato de agrado de grande parte dos brasileiros que o foram  adaptando a seu gosto de modo que ele ficou um pouco diferente do original. Pude experimentar o prato em três restaurantes, um deles famoso pelo nome homônimo – Stroganov (que é de fato como o registram no cardápio),   onde é servido sobre um purê de batatas. Nos dois outros  o degustei acompanhado de picles de pepino e batata cozida, e não tipo palha. Arroz como acompanhamento, como por  aqui? Nem pensar! Em nenhum deles entravam cogumelos, mostarda ou tomates;  e o molho que envolvia a carne era amarelado, quase branco. Meu paladar percebeu a presença da páprica, da cebola, da manteiga e do creme de leite que tinha um sabor diferente. Descobri bem depois que  este era o chamado  smetána, um produto  lácteo que entra em vários pratos, doces e salgados, da Rússia e do Leste Europeu.
 
A origem dessa palavra do léxico eslavo, smetána, é bem curiosa porque explicativa. Tem como sinonímia “varrer, tirar da parte da cima”. Quem já morou na roça brasileira vai entender direitinho do que se trata.  Antigamente, quando a geladeira era incomum na zona rural, e se deixava o leite cru que vinha do curral em lugar quente da cozinha, durante um ou dois dias, ele azedava. Virava coalhada. Quando isso acontecia, percebia-se que a parte de baixo se transformava em soro misturado a um líquido que exibia textura de iogurte; em cima permanecia  uma camada de creme. A espessura desse creme dependia da porcentagem de gordura do leite. Pois é exatamente  a este creme, conhecido por aqui como “azedo”, e retirado com cuidado do resto para não se misturar com as outras partes, que se chama desde séculos na Rússia ‘smetána’. Hoje em dia é produto industrializado e aparece colocado à venda em qualquer supermercado.  
 
Os povos eslavos usam bastante este molho. Em países europeus também aparece, pois entrou na França depois da Segunda Guerra. No Brasil é bem difícil de achar, talvez nos estados do Sul, Santa Catarina, por exemplo, se encontre.  Aliás, descendentes de eslavos que moram no Brasil têm seu próprio jeito de fazer smetána e ensinam a quem quer aprender:  basta misturar  bem uma lata de creme de leite com dois copos de iogurte natural e deixar fermentar durante uma  noite. De manhã já está pronto para usar no seu estrogonofe. Não será pois por falta de smetána que você não vai conhecer o gosto de um estrogonofe legítimo.
 
O nome do prato surgiu em homenagem a algum membro da numerosa e importante família Stroganov - mais provavelmente  o conde Pável Stroganov (1774-1817), cujo retrato portentoso se encontra num dos salões do  palácio de Catarina, a Grande.  Como muitos nobres de seu tempo, ele costumava oferecer banquetes com frequência, e o prato teria sido inventado especialmente para uma dessas ocasiões, onde havia mais convidados que carne disponível.  Um chef francês de nome Charles Briere, que trabalhava para a família, inovou ao combinar a tradicional carne grelhada da culinária francesa com o arraigado costume russo dos molhos. O sucesso foi imediato: era uma receita prática, saborosa, que podia ser dividida em porções como uma refeição comunitária. Em 1861 o “stroganov” já era bastante conhecido, pois aparece no livro de Elena Mokhovets, uma das primeiras culinaristas moscovitas  a publicar na Rússia- “Um presente para jovens donas de casa” era o título do livro. A iguaria já  tinha transposto então os espaços da elite e se tornado acessível ao povo. A receita de Elena ainda é tida como a mais clássica, e me parece que corresponde àquelas às quais me referi. Adaptei alguns ingredientes, como o óleo de milho e a pimenta.  Vamos lá.
 
Corte a carne em tiras de aproximadamente  cinco cm de comprimento e meio de largura. Em seguida, envolva as tiras de carne em farinha de trigo. Corte as cebolas em  plumas não muito finas. Coloque o óleo de milho com a manteiga na frigideira e adicione a cebola. Mexa. Quando ela começar a ficar macia e translúcida, disponha as tirinhas de carne de forma que não toque o fundo da frigideira. Polvilhe a páprica. Mexa e não deixe a carne fritar;  ela deve ficar tenra. Acrescente o molho smetána e mantenha em fogo médio  por cerca de 20 minutos. Por fim, salgue e apimente a gosto. Este detalhe é importante, porque toda carne que salgamos antes de levar ao fogo, se desidrata e suas fibras ficam duras. Salgando depois, evita-se este efeito. Sirva o estrogonofe com batatas pequenas cortadas em quatro e apenas cozidas com sal, ou sobre purê de batatas.  Deixe ao lado uma tigelinha com picles de pepino, para ir misturando se gostar.
 
Priátnogo appetita!

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