Sempre escrevo a partir das minhas vivências — ou, como se diz hoje, das Minhas experiências.
E foi justamente uma delas, banal e moderna, que me fez rir sozinha nesta manhã.
Recebi uma compra feita por um site, sem nenhum contato humano. Aquilo que, às vezes, chamamos de maravilhoso — pela praticidade —, mas que, em outra camada, é profundamente triste. A cada compra, percebo que vamos nos isolando mais: menos conversa, menos encontro, menos convivência. Caminhamos, a passos rápidos, para cidades robotizadas, habitadas por ermitões conectados.
Mas não é da solidão que trata esta crônica.
É da comodidade.
Da mordomia elevada à enésima potência.
Hoje, uma empresa de logística me entregou… lixeiras inteligentes.
Sim, inteligentes.
Você não precisa mover a mão para jogar o papel malcheiroso fora. Um leve gesto, e ela se abre, solene, eficiente, quase orgulhosa de sua missão.
Que máximo, não?
Comecei a rir sozinha diante de tamanha modernidade.
Esse riso me levou de volta às décadas de 60 e 70 — aqui em Sampa, (SP) onde, queiramos ou não, algumas modernidades sempre chegaram um tiquinho antes do resto do país. Naquela época, políticos já eram figuras caricatas, e seus santinhos, promessas e discursos sempre renderam boas gargalhadas na plebe.
As caricaturas maiores surgiam justamente quando nos faltava algo essencial — algo que não conhece casta, classe social ou título: o distinto senhor papel higiênico.
Percebem a ironia?
Décadas se passaram, os políticos continuam caricatos — e outros adjetivos que prefiro poupar —, mas nossas necessidades fisiológicas seguem rigorosamente as mesmas. O trono continua sendo trono, seja de mármore, plástico ou porcelana importada, ou, uma moitinha vistosa, verdinha, num cantinho de uma estrada, ou, uma beiradinha de um riacho...etc.
Confesso: como boa sonhadora, adoraria que essa parte da nossa condição humana tivesse sido abolida. Que horror essa igualdade involuntária que nos une em gênero, classe, poder e vaidade!
Mas deixemos os devaneios.
O cúmulo da mordomia está aí, diante de nós: uma lixeira que se abre sozinha para receber aquilo que todos produzimos, por mais civilizados que nos achemos. Será mesmo que nós, seres tão frágeis — e tão malcheirosos sem higiene — precisamos de tamanha delicadeza tecnológica?
Uma lixeira que se abre a um simples gesto.
Não salva o mundo.
Não nos torna melhores.
Mas arranca um riso.
E, talvez isso já diga tudo: chegamos ao ponto em que até o lixo precisa ser tratado com luvas de seda.
É, sem dúvida, o cúmulo da mordomia, ou, comodidade, vagabundagem ...falta do que fazer! Exatamente, como essa maluca que escreve... Maluquices. Rs!