OPINIÃO

Quando quem cuida adoece: Burnout entre educadoras

Por Veridiana Kiss e R. Malena Pignatari | As autoras são colaboradoras de opinião
| Tempo de leitura: 3 min

A conexão entre a psicologia clínica-comunitária e a pedagogia das diversas inteligências abre caminhos para a quebra de esgotamento crônico, com reflexo a um sentido maior de existência.

A rotina institucional de uma Creche Escola e a missão de uma Congregação Religiosa têm algo em comum: ambos os espaços existem para cuidar e para promover a aprendizagem. Seja ela espiritual através da dimensão noética, de valores, seja infantil, pois capazes de estruturarem o desenvolvimento psicossocial das crianças, uma vez que são fundamentais para a formação da identidade, das emoções e das habilidades de interação. Cuidar de bebês, de crianças bem pequenas, cuidar de famílias, cuidar da comunidade. No entanto, quem vive diariamente essa entrega pode enfrentar silenciosamente um desgaste emocional profundo.

A síndrome de burnout, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde - OMS como doença ocupacional, tem sido estudada em diferentes contextos. No caso da vida religiosa, pesquisas recentes, como a da Irmã Profa. Dra.Veridiana Kiss, vice-reitora da Unisagrado, intitulada “A Prevenção do burnout na vida consagrada feminina no Brasil” (2025) revelam que o esgotamento emocional também atravessa os muros dos conventos e das comunidades educativas.

Quando quem cuida adoece, todo o sistema ao redor sente. A pesquisa realizada com religiosas consagradas brasileiras aponta três dimensões críticas do burnout: 1) Exaustão emocional: sensação contínua de sobrecarga afetiva; 2) Despersonalização: afastamento ou frieza emocional como defesa psíquica; 3) Redução da realização pessoal: percepção de perda de sentido na missão e no serviço. Um dado relevante dos estudos é que a qualidade da vida comunitária funciona como fator de proteção. Religiosas que vivenciam relações fraternas, apoio mútuo e partilha cotidiana apresentam menor risco de adoecimento emocional. Essa dimensão relacional, tão própria da vida consagrada e ocupacional, torna-se um remédio silencioso e muito poderoso.

Quando uma religiosa ou uma educadora enfrenta burnout, não é apenas seu humor que se altera, mas todo o conjunto de capacidades que compõem sua prática é afetado. E aqui entra um diálogo essencial com a pedagogia contemporânea, especialmente com Jaume Carbonell, que defende que o ser humano aprende e educa através de múltiplas inteligências. Ou seja: inteligência emocional enfraquecida, compromete o acolhimento da criança; inteligência interpessoal desgastada, reduz a empatia e a sensibilidade nos conflitos; inteligência corporal tensionada, interfere no ritmo do cuidado, da rotina e do brincar; inteligência linguística perde brilho, afetando a qualidade da comunicação; inteligência existencial abalada, fragiliza o sentido e a missão educativa.

O burnout não fragmenta apenas a vida interior, mas fragmenta também o gesto pedagógico, o olhar sensível, terno, a escuta e a presença integral, inteira. Isso é especialmente delicado no trabalho com bebês e crianças bem pequenas, que dependem profundamente da afetividade e da disponibilidade emocional do adulto.

A partilha cotidiana, seja material, emocional, espiritual e comunitária ativa a inteligência existencial, propiciando busca de sentido, visão de propósito, consciência de missão, percepção da própria vida como parte de algo maior. A partilha diária é o que devolve sentido ao trabalho: Para quê eu faço o que faço? Que humanidade eu deixo no outro e recebo do outro? A inteligência existencial surge exatamente dessas interrogações profundas. E quando o burnout atinge a pessoa, é essa inteligência que primeiro se apaga.

Estudos como o da Irmã Profa. Dra.Veridiana Kiss, vice-reitora da Unisagrado, mostram que se a síndrome de burnout se instala quando há sobrecarga e solidão, a vida comunitária é o espaço que pode restaurar forças e reconstruir sentido. Comunidades que promovem diálogo e partilha fortalecem a saúde mental; rotinas comunitárias que equilibram trabalho, espiritualidade e descanso reduzem riscos de adoecimento; relações fraternas funcionam como redes de contenção afetiva. Na esteira, as escolas também são comunidades.

E quando elas operam como redes de apoio entre professoras, berçaristas, merendeiras, lactarista, funcionárias da limpeza, coordenação, direção, famílias e alunos, tornam-se ambientes que protegem a saúde mental.

Quando a comunidade aprende a importância da autopreservação, do autocuidado como elementos capazes de potencializar a caridade e o bem-estar da equipe ocupacional (apoio mútuo, relações fraternas e partilha cotidiana), ela não preserva apenas pessoas, mas todo o horizonte de aprendizagem, fé e futuro que delas nasce.

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