CIDADE RECLAMA

Desrespeito dita ritmo nas ruas de Bauru e afeta a convivência

Por Priscila Medeiros | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Priscila Medeiros
Muita gente precisa parar e revisar o próprio comportamento
Muita gente precisa parar e revisar o próprio comportamento

Do motorista que desrespeita as regras do trânsito ao estabelecimento que funciona com som acima do permitido; das festas clandestinas que ignoram qualquer autorização à queima de fogos proibidos por uma lei nunca regulamentada: a cena se repete em Bauru e revela um traço crescente de desrespeito e de indiferença coletiva às normas básicas de convivência urbana. A falta de uma estrutura maior de fiscalização que dê conta do avanço acelerado das transgressões em várias áreas reforçam a sensação de que desrespeitar regras, hoje, não causa constrangimento nem consequência para grande parte das pessoas.

O resultado dessa combinação aparece em todos os setores da vida cotidiana: trânsito cada vez mais caótico, vizinhanças conflituosas, a ocupação irregular das ruas e passeios públicos em praças e avenidas e uma avalanche de reclamações que expõem a falência da ideia da vida em comunidade. Só na esfera do barulho, há em média um caso de perturbação do sossego a cada 2h30, diariamente.

DENÚNCIAS

A Secretaria Municipal de Aprovação de Projetos, por exemplo, registrou 350 denúncias de ruídos urbanos entre janeiro e novembro de 2025. A Prefeitura fiscaliza atividades comerciais com base na Lei nº 2.423/1982, utilizando decibelímetro calibrado para medir excesso de som. Quando a irregularidade persiste, há possibilidade de multa, interdição e cassação do alvará.

Nos conflitos entre vizinhos, a orientação é acionar a Polícia Militar. E os dados mostram o impacto dessa rotina: em 2025, a média ficou em 295 ao mês, o que representa uma ocorrência a cada 2h30 em Bauru. E já foi pior: em 2024, a PM registrou média de 446 solicitações mensais de perturbação do sossego.

A corporação ressalta que a perturbação do sossego, prevista no art. 42 da Lei das Contravenções Penais, não depende do decibelímetro; basta a comprovação por testemunhos ou pela própria equipe. Informa ainda que quando tem ciência de eventos que podem gerar o problema, a Polícia Militar adota medidas preventivas, orientando os organizadores, realizando o policiamento preventivo e adotando as medidas legais cabíveis, inclusive comunicando outros órgãos como Prefeitura Municipal, Ministério Público e Polícia Civil.

TERMÔMETRO

O trânsito é outro termômetro da falta de civilidade. Neste ano, a Emdurb identificou aumento de 21% nas autuações em relação à média de 2023-2024. A infração campeã segue sendo estacionar em local proibido, atitude que impacta diretamente mobilidade, segurança e acessibilidade urbana.

Segundo a Polícia Militar, o mês de dezembro costuma registrar alta nas infrações de trânsito, impulsionada pelo fluxo típico das festas de fim de ano. A corporação reforça o policiamento em áreas comerciais e corredores movimentados, tentando reduzir danos provocados por atitudes individuais.

PROIBIDO

Entre os combustíveis para erosão silenciosa da convivência estão leis que não se cumprem, fiscalização insuficiente e atitudes individualistas. A cidade se torna, pouco a pouco, mais ruidosa e menos capaz de ouvir a si mesma.

Outro exemplo que afeta muitas famílias, especialmente no período de festas, diz respeito à Lei Municipal nº 7.476, que proíbe fogos de artifício ruidosos e foi aprovada em 2021. A norma protegeria pessoas com sensibilidade auditiva, especialmente bebês, idosos e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Tea), além de animais, que são altamente vulneráveis ao barulho.

Mas, quatro anos depois, a lei jamais foi regulamentada. Sem a medida, não há fiscalização nem punição. Resultado: fogos continuam sendo estourados livremente, especialmente no período de festas, que registra a maior taxa de óbitos de pets, segundo a veterinária Andressa Stevanatto. Animais chegam a apresentar taquicardia, convulsões e até morte.

Comportamento humano

O desrespeito às regras de convivência revela não apenas falta de educação coletiva, mas um fenômeno mais profundo: a dificuldade crescente de reconhecer o outro e de assumir responsabilidade sobre as próprias escolhas, avalia o psicólogo Arnaldo Vicente.

Ele destaca que esse padrão de comportamento está ligado à forma como cada pessoa lida com frustração, limites e autocrítica. O psicólogo explica que parte desse comportamento nasce de uma cultura da urgência: a pressa para resolver tudo, a intolerância ao atraso e a ansiedade constante. Em seus atendimentos, ele relata situações que ilustram como esse padrão se manifesta inclusive em práticas simples. Vicente recorre à técnica de respiração consciente para ajudar pacientes a perceberem o próprio corpo e o próprio tempo. A dica é inspirar por 4 segundos, segurar o ar por 4 e expirar por 8.

"Quando peço para uma pessoa respirar e sentir o ar entrando, muitos dizem que não conseguem, porque estão sempre acelerados demais", comenta. Para explicar porque tantas pessoas repetem comportamentos prejudiciais, inclusive que elas próprias reconhecem como contraproducentes, o psicólogo recorre ao criador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Aaron Beck.

"Beck demonstrou que não é a situação em si que determina nossos sentimentos, mas o pensamento automático que fazemos sobre ela", diz Vicente. Para ilustrar, ele cita o caso fictício de "João", que trocou de namorada duas vezes acreditando que resolveria sua insatisfação pessoal ao mudar de relacionamento. Ao final, continuou infeliz. "João achava que o problema era a situação externa. E esse é o erro de muita gente: atacar o cenário, quando o alvo real é o pensamento sobre o cenário", afirma.

O psicólogo lembra a expressão "tiro no pé" para explicar mecanismos de autoengano. "É quando a pessoa tem certeza absoluta de que sua escolha é correta, mas depois percebe que se prejudicou. Todos esses comportamentos têm algo em comum: a pessoa pula a etapa de avaliar o próprio pensamento automático. Se ela parasse um segundo para se perguntar 'isso é verdade? isso é útil? isso prejudica alguém?', muita coisa seria diferente". O profissional reforça que, quando as pessoas passam a revisar seus pensamentos automáticos, mudam comportamento, emoções e reações físicas. "O alvo certo está dentro, não fora", diz.

Veículos estacionados em local proibido
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Fiscalização de carro parado em vaga de carga e descarga
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Cachorra usa protetor para amenizar os efeitos dos fogos
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