Ao abrirmos os dicionários, encontramos a definição de "autoridade" ligada ao poder de determinar, julgar e resolver disputas. Contudo a autoridade, em sua essência, não é uma invenção humana, mas uma delegação divina. Como nos lembra o apóstolo Paulo, "não há autoridade que não venha de Deus" (Romanos 13.1). Por isso, as Escrituras nos ordenam a postura de submissão e obediência civil, estando "prontos para toda boa obra" (Tito 3.1,2). Todavia, o que acontece quando a autoridade terrena se choca frontalmente com a Lei Moral de Deus ou impõe o silêncio através da censura?
Historicamente o cristianismo sempre lidou com a tensão entre a submissão civil e a fidelidade divina. Não estamos diante de um debate puramente teórico, mas de uma práxis de sobrevivência e ética. A Bíblia e a história estão repletas de "desobediência civil santa". Pensemos em Raabe. Ela errou ao esconder os espias hebreus e enganar os guardas de Jericó (Josué 2.4-6)? A leitura bíblica, confirmada em Hebreus 11, a coloca na galeria da fé. Séculos adiante, durante o terror do Terceiro Reich, cristãos como Dietrich Bonhoeffer enfrentaram o dilema de esconder judeus, burlando a Gestapo. O cristão em sua essência entende que existe uma hierarquia de valores: a defesa da vida e a misericórdia suplantam a obediência cega a decretos iníquos. Em nome da Imago Dei (a imagem de Deus no homem), a igreja, em momentos cruciais, escolheu "obedecer a Deus antes que aos homens" (Atos 5.29), driblando tiranos para preservar a vida e a verdade.
Contudo, para navegarmos nesses mares revoltos, precisamos calibrar nossa bússola na autoridade suprema. Não existe declaração mais absoluta nas Escrituras do que a de Mateus 28.18: "Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra". Quando esteve diante de Pilatos, a personificação do poder estatal romano, Jesus fez uma distinção crucial: "Nenhuma autoridade você teria se do céu não lhe fosse dada" (João 19.11). Aqui reside o ponto nevrálgico: a autoridade de Cristo é intrínseca; a dos homens é derivada e provisória.
O paradoxo do Reino de Deus é que Jesus, possuindo todo o poder, não o exerceu através da coerção política ou da censura. Ele não organizou milícias, não buscou o controle do Sinédrio nem incitou revoluções armadas. Suas ordens foram revolucionárias de outra forma: "Ide e fazei discípulos", "Amai os vossos inimigos". O sistema do Reino inverte a lógica humana: a grandeza não está em silenciar o opositor, mas em servir ao próximo. O domínio de Cristo é belo porque conquista o coração, não apenas o território.
Observamos com preocupação a escalada da censura no Brasil. A liberdade de expressão é uma dádiva que, teologicamente, podemos atribuir à "Graça Comum" de Deus — favores divinos dados a todos os homens para que a sociedade seja habitável. Quando o Estado cerceia a fala, ele viola não apenas pactos humanos, mas a dignidade do ser criado à imagem de um Deus que se comunica. O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica (Art. 13) não são apenas textos legais; são ecos de uma justiça que protege a voz humana. Nossa Constituição, em cláusulas pétreas (Art. 5º, IV e IX; Art. 220), veda a censura prévia. Como bem idealizou Voltaire, a civilidade se constrói na defesa do direito de fala até do discordante. O silenciamento prévio não é apenas ilegal; é uma tentativa de usurpar a consciência, um terreno que pertence somente a Deus.
Tempos sombrios e estranhos se aproximam, gerando ansiedade legítima. Porém, a história da Igreja é a história da resistência. Por dois milênios, a Igreja sobreviveu a Neros, Dioclecianos, regimes fascistas, comunistas e ditaduras de todos os espectros. Teodore Beza, reformador sucessor de Calvino, disse certa vez que a Igreja é uma bigorna que tem gastado muitos martelos.
A censura pode tentar calar a praça pública, mas não pode calar o Espírito. A recomendação para nós, o povo da Cruz, é a serenidade robusta. Devemos cultivar a vida cristã através da comunhão, oração e da leitura bíblica, lembrando-nos da Doutrina da Providência: Deus não é um espectador passivo, mas conhece e rege a história convertendo até mesmo o caos em seus propósitos eternos. Enquanto o mundo tenta controlar a narrativa pelo medo e pelo silêncio, nós descansamos na certeza de que o Verbo de Deus já foi pronunciado, e Ele é a Palavra final. Deus está no comando, guiando este mundo caótico ao seu desfecho glorioso. Creia, descanse e não se cale diante da verdade.