EM BAURU

Indígenas reivindicam área para 1ª aldeia urbana e multiétnica

Por Priscila Medeiros | da Redação
| Tempo de leitura: 4 min
Ivone Vitto/Divulgação
Suiyãne, Ricardo e Irineu, na Câmara Municipal de Bauru
Suiyãne, Ricardo e Irineu, na Câmara Municipal de Bauru

Bauru passou a contar, desde o início de outubro, com sua primeira aldeia indígena formada por várias etnias que vivem na área urbana do município. Com cacique e mais de 500 membros, o grupo social reivindica uma área localizada em zona de interesse social (Zeis) prevista no Plano Diretor de Bauru. O pedido foi reiterado durante a audiência pública realizada no último dia 17. A Secretaria de Habitação de Bauru informou que tomará conhecimento dos detalhes do proposta e avaliará o que poderá ser feito dentro das diretrizes legais e urbanísticas do município.

Sem um território delimitado, seus integrantes têm se reunido na sede da Associação Renascer em Apoio à Cultura Indígena (Araci) Ponto de Memória/Cultura, na Vila Independência. Aldeia é a unidade política e social característica dos povos originários, refletindo sua forma própria de organização e preservação cultural.

A de Bauru foi batizada de Cacique Tibúrcio Tallihu - nome dado em homenagem a um dos líderes indígenas mais atuantes na região, que foi ferroviário e funcionário público, trabalhando no Jardim Botânico - e contempla aproximadamente 90 famílias de etnias como Kaingang, Guarani, Terena e Kaiapó.

A cacique escolhida foi Suiyãne Sobrinho Txukarramãe - filha da líder indígena Jupira Manoel Sobrinho (Jupira Terena) e neta do cacique kayapó Raoni Metuktire, uma das principais lideranças indígenas do País, reconhecido mundialmente e membro honorário da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e do patrono da aldeia Cacique Tibúrcio Tallihu.

Suiyãne cresceu em meio à luta indígena, o que a fez seguir o mesmo caminho. "Desde a barriga da minha mãe", ressalta. Considerada uma pessoa bem articulada, a cacique prossegue na luta da mãe, iniciada há 30 anos.

"Estou continuando, com diálogo junto com a prefeitura, reivindicando nossos direitos em relação a ter um território para a construção de uma aldeia urbana, para dar continuidade à identidade indígena. Nossa preocupação é o nosso povo perder a originalidade do indígena vindo da aldeia para a cidade, porque quando a gente sai, a gente praticamente deixa o nosso costume, nossa cultura. Nos adaptamos à sociedade local e não conseguimos praticar nossa dança, nosso ritual, a nossa língua materna", ressalta.

De acordo com o último censo demográfico realizado em 2022, Bauru possui 515 indígenas autodeclarados. "Antes, nós éramos esparsos dentro da cidade. Hoje não. Nós somos um grupo social. Existem mais indígenas dentro da cidade do que em aldeias. Estamos inseridos dentro da sociedade, realizando as mais diversas tarefas e, por isso, estamos buscando o reconhecimento da municipalidade", acrescenta o indígena e advogado Ricardo Sobrinho, que também é neto do patrono da aldeia.

Já para o professor Irineu Nje'a Terena, a delimitação de uma área traz a reparação histórica ao povo originário que vivia aqui antes do surgimento da cidade.

"Bauru e todo o Centro-Oeste Paulista foram construídos em cima de ossos indígenas. Por todos os lados têm artefatos, têm cemitérios. Em 1916, os poucos Kaingangues que viviam aqui foram levados para Braúna e Arco-Íris, como se fossem gado. Os tiraram do território que estavam e acabaram com a aldeia. Então, a gente quer também essa reparação histórica. Tem sangue indígena derramado nessas terras. Queremos abrir um diálogo com o governo municipal, mostrar que existem indígenas e que a gente quer um lugar para a gente poder praticar nossa cultura e contar as nossas histórias", ressalta o indígena.

A criação da aldeia teve a ajuda de três entidades: Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Mulheres Indígenas do Centro Oeste Paulista (Aminop) e Associação Renascer em Apoio à Cultura Indígena (Araci) Ponto de Memória/Cultura.

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A primeira aldeia a ser criada em um contexto urbano no País foi a Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), em 1998, representando o surgimento de comunidades indígenas em meio a cidades. De acordo com Irineu Nje'a Terena, atualmente há 13 aldeias urbanas em Campo Grande.

PLANO DIRETOR

Durante a audiência pública sobre o Plano Diretor, realizada no último dia 17, as lideranças questionaram a ausência da destinação de uma área dentro das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeus), já que a municipalidade possui um projeto de iniciativa popular para a destinação da área, feita pelo arquiteto e professor José Xaides.

"Por isso, que a gente tá reivindicando o nosso direito, porque a gente sabe que nós temos direito dentro da cidade, pelo Estatuto das Cidades. Só que nós não estamos tendo visibilidade nessas coisas, nessas questões da política pública. A política dos povos indígenas sempre é ignorada" frisa Suiyãne.

A Secretaria de Habitação informou, após ser questionada, que o tema foi apresentado durante a audiência pública do Plano Diretor e, a partir disso, a pasta irá tomar conhecimento dos detalhes do projeto e avaliar o que poderá ser feito dentro das diretrizes legais e urbanísticas do município.

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