OPINIÃO

“A escola doente é sintoma de uma sociedade que também adoeceu”

Por Malena R. Pignatari | Jornalista de formação pela Unesp-Bauru, Mestre em Comunicação Midiática
| Tempo de leitura: 3 min

A frase do título foi dita por Emilia Cipriano em palestra no IV Congresso de Educação de Agudos.

A palestrante nos convida a compreender que a Pedagogia da Desobediência aponta para um olhar crítico e necessário: que o problema não são professores, berçaristas e demais funcionários da seara. Se há 67% dessa população com estresse, 48% com ansiedade e 71% com sobrecarga, a questão de fundo “é bem mais em baixo”.

A crise da educação brasileira exige que olhemos muito além das práticas cotidianas de professores, berçaristas e demais colaboradores que envolvem a comunidade escolar, ou ainda, exige que se vislumbre outros pontos além dos conteúdos didáticos, e se passe a investigar a engrenagem que está por trás do processo de ensino e aprendizagem, uma engrenagem poderosa, sorrateira e que trabalha incessantemente para que quase sempre a consciência crítica fique fora das explicações.  Trata-se de outra linha de força (Norberto Bobbio; forças que moldam o direito e o poder), a que habita no campo político das decisões de financiamento, do sistema político-partidário, das desigualdades estruturais e concepções de infância, de escolhas que moldam o ensino e, muitas vezes, passam despercebidas pelo grande público que já está “midiaticamente viciado” em culpabilizar quem está na ponta, no chão da fábrica, engrossando as porcentagens das enfermidades educacionais. 
O bom em saber do que está “para além” é retirar o fardo, deslocar a culpabilização para o estrutural e não para o indivíduo. Setenta e um porcento (71% ) da categoria sobrecarregada reflete algo que não é “falta de vocação”, mas efeito direto de políticas educacionais precárias, subfinanciamento e de uma máquina pública que se APOIA NA ABNEGAÇÃO DOS EDUCADORES. Esses números têm sido apontados por pesquisas como as da Fundação Carlos Chagas, da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e do Todos pela Educação, que revelam: jornadas múltiplas (professor que prepara, aplica, corrige, planeja, faz relatórios, atende família); vínculos instáveis (contratações temporárias, terceirizações); salários defasados e falta de reconhecimento simbólico; e uma pressão crescente por resultados em avaliações externas (PISA, SAEB, IDEB) — sem investimento correspondente em condições de trabalho. É uma culpabilização difusa, travestida de “gestão por resultados”: o sistema cria indicadores e cobra, mas não acompanha de perto para que os meios sejam melhorados gradativamente e corresponsavelmente.
A “pedagogia da desobediência”, como propõem Fernando Hernández e Marisol Anguita, surge justamente contra essa lógica de responsabilização individual. Ela propõe: restituir ao professor e à escola o poder de pensar, não apenas executar; desobedecer narrativas que colocam o fracasso da educação nas costas da base da pirâmide; transformar o cotidiano escolar em espaço de resistência e reinterpretação da realidade social e política. Ou seja: o professor que se recusa a ser mero “executor de currículo” já pratica uma forma de desobediência pedagógica — e também ética.
Percebam!!! O deslocamento de culpa — de quem elabora políticas para quem as executa — é o mecanismo que mantém o sistema intacto, pois impede o questionamento das estruturas: Prefeituras e governos falham em oferecer infraestrutura, mas responsabilizam o professor por “baixo IDEB”; Secretarias sucateiam formações continuadas, mas culpam o professor por “falta de estímulo cognitivo”. O discurso da “ineficiência docente” esconde o desmonte do Estado. Em termos freireanos, trata-se de uma forma de opressão simbólica, que transforma o trabalhador da educação em bode expiatório do fracasso social.
Há saída. No caminho da (re)construção, a pedagogia da desobediência comentada por Cipriano faz do termo desobediência um ato de fé e consciência (Demerval Saviani): recusar o peso da culpa e afirmar a dignidade do trabalho educativo como obra coletiva, espiritual e social. A consciência crítica liberta do “complexo de culpa docente” e abre espaço para uma educação que: valoriza o cuidado e o afeto como dimensões intelectuais; entende o educador como sujeito político; e reconhece que a escola não fracassa — o projeto de sociedade de alguns “obedientes” que a governa é que fracassa.

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