COLUNISTA

Bifurcações

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 4 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Há escolhas que fazemos conscientes de sua importância. Outras só revelam o peso quando já estamos longe do instante da escolha. Uma decisão minúscula hoje — um "sim" apressado, um "não" tímido, uma amizade cultivada em silêncio — pode definir quem seremos em dez, vinte ou trinta anos. Algumas parecem passageiras no instante em que nascem, mas permanecem conosco como marcas que o tempo não apaga.

Søren Kierkegaard dizia: "A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para frente." No momento da escolha, pode até ser um passo pequeno, discreto, quase insignificante. Só o tempo revelará se semeamos carvalhos ou ervas daninhas. Com frequência aquilo que mudará o rumo de uma vida não chega com trombetas; vem disfarçado de rotina: um convite aceito, um trabalho recusado, uma conversa, um vínculo efêmero - mas um dia, despertamos — e percebemos que habitamos o mundo construído pelas decisões que tomamos.

A Filosofia lembra que viver é escolher — e não escolher também é uma escolha. Sartre fala dessa "condenação à liberdade": não há fuga da responsabilidade pelos caminhos que trilhamos ou adiamos. Cada decisão abre uma vereda que pode virar estrada. E as bifurcações mais marcantes, muitas vezes, não são os grandes anúncios, mas os desvios sutis, quase invisíveis, que só revelam sua gravidade mais tarde.

A Bíblia confirma e aprofunda o assunto: Jesus falou de duas portas e dois caminhos (Mt 7.13,14): um largo, confortável, de custo aparente nulo, contudo nefasto; outro estreito, exigente, mas que conduz à vida. Moisés colocou diante do povo "a vida e a morte, a bênção e a maldição" (Dt 30.19), e conclamou: "Escolha a vida." Josué decidiu de forma simples e definitiva: "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor" (Js 24.15). As escolhas moldam não apenas o que fazemos, mas o que nos tornamos - algumas desaparecem como pegadas na areia; outras se cravam como cicatrizes que passam a contar nossa história.

No início, certas decisões parecem brilhantes: experimentar tudo, possuir tudo, sentir tudo. Mas cada "sim" ou "não" tem um preço — e o custo cresce em silêncio. Com o tempo, toda decisão projeta sua sombra sobre a vida. As Escrituras Sagradas refletem essa verdade moral e espiritual: nenhuma escolha é neutra; toda colheita nasce de uma semeadura (Gl 6.7-9). O que hoje dizemos ao desejo, ao orgulho, à pressa — ou às pessoas, à obediência, à sabedoria — voltará amanhã como fruto doce ou amargo.

É aqui que a fé cristã oferece algo que nem a Filosofia nem a Literatura podem conceder: direção e graça. Direção, porque "o temor do Senhor é o princípio da sabedoria" (Pv 9.10), e Ele "endireita as veredas" de quem nele confia e não se apoia no próprio entendimento (Pv 3.5,6). Graça, porque Deus não apenas aponta o caminho — caminha conosco. Restaura o que quebramos. Reescreve rotas quando nos arrependemos. O evangelho não romantiza o erro, mas também não canoniza a culpa: oferece cruz, perdão e recomeço. Pedro negou, chorou, foi restaurado, redimido.

Viver com sabedoria é cultivar um coração treinado para discernir (Fp 1.9,10). Às vezes, o "caminho estreito" é dizer "não" a uma oportunidade perfeita aos olhos humanos. Outras vezes, é dizer "sim" ao discreto — ao que não rende aplausos, mas aprofunda raízes. Carvalhos não nascem sob holofotes, mas de sementes escondidas que crescem no escuro da terra - nutridas por fidelidade diária, regadas com perseverança.

Tiago nos lembra que não controlamos o amanhã (Tg 4.13-15). Por isso oramos: "Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio" (Sl 90.12). Contar os dias não é somar horas, mas pesar escolhas. É perguntar: estou me tornando sensato — ou algo diferente disso? Meu ritmo de vida cultiva presença com Deus, amor pela família, hospitalidade, integridade, altruísmo? Estou me alinhando ao que permanece quando tudo o mais for vento?

Se você pudesse olhar para si mesmo daqui a vinte anos, que decisões de hoje agradeceria por ter tomado? Que "nãos" teriam guardado seu coração? Que "sins" teriam fortalecido sua vocação? Talvez a resposta não esteja no extraordinário, mas no ordinário bem vivido: oração antes da pressa, Bíblia antes das telas, mesa antes do palco, caráter antes do currículo, igreja antes da agenda, cruz antes da coroa. No fim, Kierkegaard tinha razão: só compreendemos o presente quando olhamos para trás — e só vislumbramos o amanhã quando vivemos com esperança. Mesmo entre tantas bifurcações, se estivermos ao lado de Cristo, as pequenas escolhas de hoje — silenciosas, discretas — poderão, sim, tornar-se carvalhos de justiça no futuro (Is 61.3).

Cultos Online: https: www.youtube.com/@tvibatistaestoril
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