A crise hídrica que castiga Bauru e se traduz em torneiras secas nas casas de milhares de moradores é um sintoma antigo de um problema enfrentado pela cidade há mais de duas décadas. Sem um planejamento sustentável capaz de garantir o pleno abastecimento à população, o município convive desde o início dos anos 2000 com racionamentos de água recorrentes, que se intensificaram ao longo do tempo e hoje expõem os claros sinais de esgotamento do Rio Batalha, responsável por atender 27% da população.
Os episódios de falta d'água começaram a se repetir a partir de 2001, durante a gestão do então prefeito Nilson Costa. De lá para cá, a combinação entre emergência climática e urbanização acelerada desacompanhada do devido investimento em infraestrutura de abastecimento consolidou uma crise que se tornou crônica.
O inverno de 2025 em Bauru, por exemplo, foi o mais seco dos últimos 25 anos, com apenas 21,9 milímetros de precipitação entre julho e setembro, volume insuficiente para recompor o nível do Batalha, manancial que abastece cerca de 100 mil moradores em mais de 90 bairros.
Da mesma forma, o aumento das temperaturas - com consequente elevação no consumo de água - compromete a regeneração do rio, assim como o adensamento urbano, que também ampliou a pressão sobre o sistema. Entre 2000 e 2022, a população cresceu de 316 mil para 379 mil habitantes, um salto de 20% que resultou na expansão de empreendimentos residenciais sem o devido investimento em abastecimento.
LIMITADA
As zonas Oeste e Sudoeste, dependentes do Batalha, são as mais afetadas. Nelas, o Aquífero Guarani, que poderia funcionar como reserva natural, tem profundidade limitada a apenas 40 metros devido à presença de uma espessa camada de basalto. Já nas zonas Leste e Nordeste, chega a até 400 metros, porém, nas áreas de maior concentração de poços, os níveis registram queda anual estimada de três a quatro metros, segundo o projeto Soluções Integradas de Água para Cidades Resilientes (Sacre).
Nas últimas duas décadas e meia, o número de poços aumentou de 28 para 42, mas o investimento ainda se mostra insuficiente para garantir o abastecimento pleno da população, tanto que, em 2024, os moradores atendidos pelo Batalha tiveram de enfrentar racionamento por longos seis meses, de maio a novembro.
Além disso, o recente avanço da monocultura de eucalipto em áreas rurais da região tem sido apontado por especialistas como fator agravante. A espécie, de alto consumo hídrico, pode interferir na recarga natural dos lençóis freáticos e contribuir para o desequilíbrio da bacia.
RIO BATALHA
A grave situação vivida por Bauru também passa pela exploração pouco sustentável do Rio Batalha durante décadas, sem que o manancial e seu entorno recebessem ações efetivas e permanentes para sua recomposição e manutenção. O resultado é um curso d'água assoreado, com margens degradadas e vegetação ciliar escassa (leia mais abaixo).
Localizada na Serra da Jacutinga, em Agudos, a nascente do Batalha voltou a secar neste mês, repetindo o cenário registrado no mesmo período de 2024, conforme constatou no último fim de semana o vereador Márcio Teixeira, coordenador de um grupo de voluntários dedicados ao plantio de árvores às margens do manancial. Os sinais de esgotamento do rio frente ao crescimento populacional e à emergência climática demandam o planejamento de ações de longo prazo que ataquem as causas estruturais do problema a fim de assegurar o abastecimento da cidade no futuro. As diretrizes, inclusive, deverão ser inseridas no Plano Diretor de Águas (PDA), atualmente em fase de revisão.
Com menos de 10% de vegetação nativa e afluentes degradados, Batalha agoniza
A degradação ambiental na Bacia do Alto Batalha ameaça a sobrevivência do manancial responsável pelo abastecimento de cerca de 100 mil moradores de Bauru. Levantamento com base em imagens do Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo (IGC-SP) revela que a maioria dos afluentes do rio sofreu redução média de 400 a 500 metros em sua extensão desde a década de 1960.
O recuo é provocado pelo desmatamento e pelo uso inadequado do solo nas áreas de nascente. Com a abertura de pastagens para criação de gado, o pisoteamento de afluentes, por onde também trafegam tratores, intensificou o processo de assoreamento.
Como resultado, além da redução do volume de água que chega ao Batalha, a tendência é de desaparecimento desses pequenos cursos d'água, como já ocorreu com alguns deles. Além disso, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Batalha, que soma 235,6 mil hectares, possui menos de 10% de vegetação nativa, segundo a Fundação para Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal), gestora da APA.
A mata ciliar praticamente inexiste ao longo dos 167 quilômetros do rio, deixando margens expostas à erosão e ao carreamento de sedimentos. O mesmo cenário se repete no entorno dos afluentes remanescentes, que deveriam estar protegidos pela flora natural.
A estimativa é de que seriam necessárias ao menos 700 mil mudas de espécies nativas para recuperar os trechos mais degradados da Bacia do Alto Batalha, que abrange 22 quilômetros entre a nascente, na Serra da Jacutinga, passando por Piratininga até o ponto de captação da Estação de Tratamento de Água (ETA), em Bauru.