OPINIÃO

A dosimetria é dose

Por Zarcillo Barbosa | O autor é jornalista e articulista do JC
| Tempo de leitura: 3 min

A palavra dosimetria voltou a ser aos meios de informação. Digo "voltou" porque foi muito explorada no tempo do Mensalão e da Lava-Jato. Lembro-me do então ministro do STF Ricardo Lewandowski explicando que a linguagem jurídica tomara o termo emprestado da Medicina. "É como se fosse a dose de um remédio". O juiz, no caso, age como o farmacêutico que avia a receita. Se ele errar o paciente vira "de cujus" e deixa bens a inventariar.

Naquela ocasião (Lava-Jato), os 25 condenados por corrupção ativa e passiva, por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha foram punidos com dosimetrias compatíveis com os crimes cometidos. Dosar a pena de cada um exige cálculos complicados.

O juiz tem que levar em consideração as circunstâncias do crime, as atenuantes e as agravantes previstas no Código Penal. Nem sempre a dose de um juiz coincide com a de outro de instância superior, ou entre ministros da mesma turma. Há mais de 500 livros jurídicos escritos sobre esse assunto. Nem bem concluídos os processos, o povo queria saber quem iria cumprir sentença em regime fechado, em semi-aberto ou em casa. O resultado foi uma frustração geral, porque os autos foram anulados e estão todos soltos, saltitantes e continuam políticos.

Recentemente, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão e mais 124 dias-multa, depois de considerados os majorantes e minimizantes das suas intenções ilícitas. Agora, uma proposta legislativa pretende revisar as punições dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. O relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), estuda fundir os crimes de golpe de Estado e o de abolição violenta do Estado democrático de direito. Dessa forma, a pena de Bolsonaro cairia para uns 20 anos.

A mudança alcança também outros réus, como os generais da reserva Walter Braga Neto, Augusto Heleno e o ex-delegado da Polícia Federal Anderson Torres. Todos são ex-ministros do Governo Bolsonaro, envolvidos na tentativa de golpe. Os acusados de depredarem a sede dos Três Poderes em Brasília, também serão beneficiados.

A oposição briga por outro projeto: o que institui uma anistia "ampla, geral e irrestrita" a todos os envolvidos. A matéria não passa no Congresso e os sentenciados terão que se contentar com punições mais brandas. Se os bolsonaristas ganharem a eleição presidencial, vão tentar instituir o perdão político para todos os envolvidos.

O ministro Alexandre de Moraes, recentemente determinou que Débora Rodrigues dos Santos cumpra seus 14 anos de prisão em regime domiciliar. A esteticista mineira, aproveitou o ônibus de graça para conhecer Brasília no dia 8 de janeiro. Entrou na turma do quebra-quebra e, sabendo manejar bem o batom escreveu "Perdeu, Mané", na estátua da Justiça em frente ao STF. Há muita gente puxando cadeia na Papuda. Outros se autoexilaram na Argentina. Independentemente do tamanho das penas, sofrem as consequências do julgamento em suas vidas profissionais, em suas rotinas e no próprio bolso. Justiça não é vingança. É instrumento pedagógico de equilíbrio e de transformação do indivíduo e da sociedade. É a arte de dar a cada um o que é seu, como diziam os romanos. Nem sempre foi assim. O STF arquivou o processo contra o ex-presidente Fernando Collor. Até hoje ninguém entendeu como um presidente alijado do poder pelo "impeachment" pode ser absolvido.

O saudoso Paulo Brossard, quando ministro da Corte, alertou na ocasião que "o descoco é insigne". Traduzindo: a falta de senso (cabeça) é notável. Collor voltou à política e se envolveu novamente com a corrupção - propinoduto. Pegou 8 anos e 10 meses de prisão, que cumpre no sofá de casa, "devido a idade e por questões de saúde".

Em qualquer circunstância, tenho o nítido sentimento de que a democracia sai fortalecida, no Brasil. Ninguém vai partir para uma nova aventura golpista neste século. Conseguir a adesão das Forças Armadas será quase impossível. E sem a adesão do povo, mais ainda.

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