OPINIÃO

A crise hídrica e o povo

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

Em Bauru, a administração pública tem o seu próprio calendário, assim como na roça. No campo, tem o Dia de São João, da Festa do Divino, Dia de Reis, e assim vai. Aqui na cidade, temos o período na seca, com falta de água, seguido de chuvas torrenciais e inundações nos locais de sempre; atraso na entrega dos uniformes escolares é no início do ano letivo; ameaças ou greve do funcionalismo, no dissídio da categoria em janeiro; falta de coleta do lixo, por inoperância dos caminhões, fica mais para o fim do ano.

Entra prefeito e sai prefeito, é sempre o mais do mesmo. Agora, é tempo de falta de água. Antigamente culpava-se São Pedro. Havia novenas nas igrejas, com os fieis em oração pedindo o milagre das chuvas. Modernamente, os técnicos invocam a crise climática e asseguram que não atinge só Bauru, mas o mundo todo.

Aqui, a água é abundante. Temos o Rio Bauru, que corta a cidade. Pena que a água seja poluída e os prefeitos que se seguiram, nem com recursos de sobra conseguiram deixar de lançar o esgoto in natura nas suas águas. Recente publicação coloca Bauru como a penúltima das cem cidades com maior expressão econômica do país, em matéria de falta de tratamento de esgoto. Os motivos são conhecidos.

"Falta gerência" - costumava dizer Adhemar de Barros, um líder populista do século passado. Há que se fazer como a Eliane, minha esposa, que encheu de água todos os baldes, panelas e tigelas. Quando a alertei que nem era dia de rodízio, ela tapou minha boca: "É preciso planejar".

Nesta cidade, os que deveriam se responsabilizar pela sua gerência, nunca se lembram de combinar política de gestão de água com as mudanças climáticas e adotar abordagens integradas na tomada de decisão. Falou-se numa barragem de verdade para armazenar a água do Rio Batalha, mas a ideia parou depois que o autor dos estudos foi pago e saiu satisfeito. Quando finalmente chove, a água não bombeada para a rede é descartada. Perde-se o tesouro que deveria ser guardado para amenizar a estiagem futura. As matas ciliares de proteção do manancial, só existem pelo esforço de jovens ambientalistas voluntários, que plantam as mudas em quantidades aquém das necessidades. Pelos menos fazem a sua parte.

A Estação de Tratamento de Água é a mesma construída pelo prefeito Nuno de Assis, nos anos 1960, com dinheiro da Aliança para o Progresso do presidente Robert Kennedy. Mais de 40% da água tratada é desperdiçada, em vazamentos a partir da própria ETA.

O abastecimento de água é um serviço essencial (óbvio). A falta de fornecimento pode caracterizar dano moral e direito a desconto na conta, além do fornecimento de caminhões-pipa.

Informa o DAE que a frequência do rodízio de abastecimento é de 14 horas com água e 34 sem. Quem decidiu? Todos os setores, bairros ricos e pobres, são tratados sem observar a desigualdade no acesso à água. Barracos, em bairros miseráveis, não têm caixas para reservar.

O DAE corta o fornecimento e a torneira seca, de imediato. Às vezes, quando chega o líquido, a pressão não é suficiente para subir aos reservatórios dos que os têm. Moradias de alto padrão têm mais de uma caixa de 5 mil litros. Para seus moradores, nunca haverá estresse hídrico. Condomínios estão livres do problema, com seus próprios poços artesianos.

Discutir o papel das águas subterrâneas como bem público, no atual contexto da crise hídrica, é essencial, frente à necessidade de se garantir o direito humano à água. Nada a ver com esquerda ou direita. Há que se estudar uma maneira de se ajudar determinados grupos populacionais a terem acesso a um recurso natural e vital.

A participação do público, numa frase tão crucial, permite que pessoas influenciem o resultado das decisões que vão afetá-las. A pressão seria até benéfica, ao promover a melhoria na qualidade dos processos de governança da água. Os atores interessados passam a se aproximar dos problemas e a cooperar em direção às ações de mitigação e solução.

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