Somos a raça humana, única em todo o planeta. Há amplitude do entendimento de que o planeta Terra é o local em que todos habitamos e que a natureza tem vida. "A natureza se adapta, é viva”. É a sabedoria ancestral aplicada aos dias de hoje no conceito que o arquiteto chinês Kongjian Yu criou com a cidade-esponja. Baseia-se no princípio de que “a natureza regula a água", explicava o arquiteto. Liderava o escritório Turenscape, que tem cerca de 600 projetos concluídos ou em desenvolvimento em mais de 200 cidades, principalmente na China. O modelo propõe que as cidades absorvam, armazenem, purifiquem e liberem água de chuva de forma mais natural, em vez de simplesmente controlá-la por infraestruturas rígidas.
Kongjian Yu visitava o Brasil pela segunda vez para divulgar e demonstrar a possibilidade da implantação da cidade-esponja no país, quando sofreu um acidente aéreo em MS, na semana passada, e morreu.
Deixa um legado precioso e inestimável. Kongjian contou em uma entrevista a jornais brasileiros, que tudo começou quando tinha 4 anos e caiu num rio caudaloso. Conseguiu se salvar agarrando-se às raízes das árvores. Filho de agricultores, bacharelou-se com honra ao mérito e foi Mestre em Arquitetura Paisagística pela Universidade Florestal de Pequim, depois se pós-graduou em Harvard.
Dava aulas em Pequim e transformou a vila de Dongyu, cidade de Jinhua, província de Zhejiang, na República Popular da China em um verdadeiro laboratório para a cidade-esponja.
Para ele, a natureza deve ser tratada como um ser vivo. Honrar cada um dos reinos, o mineral, o vegetal, o animal e o humano é honrar a própria vida. Tudo e todos estão interligados pelo sopro da vida, uma força denominada “Shi”, que permeia toda a criação do universo e os aspectos da vida, segundo a sabedoria da filosofia ancestral chinesa. No movimento do Shi, cada ser humano é uma extensão do cosmos, portanto, a degradação da natureza desequilibra também o corpo e o espírito.
Se o Shi é o sopro que conecta todas as coisas, o Qi é a energia que circula e o Tao é o caminho. Juntos, eles expressam a visão de que tudo é vivo, integrado e em constante transformação.
Kongjian Yu aplicou a filosofia antiga, inspirando-se na observação dos ciclos da natureza quando trabalhou como agricultor até os 17 anos. “A vaca come a grama, o esterco aduba o arroz, a vegetação filtra nutrientes e a água retorna limpa ao rio. “É um jeito sábio de usar a água”, explica, acrescentando que, ao tentar aprisionar a água, ela adoece as cidades modernas, mas quando ela é tratada como um ser vivo, devolve equilíbrio e vida às comunidades.
O urbanista reutilizou diques de mais de 700 anos para demonstrar que pequenas intervenções podem reduzir a força do rio. Em áreas agrícolas, ele defende que 20% das fazendas sejam destinadas à água, evitando que o escoamento cause alagamentos nas cidades. Em metrópoles como Xangai, parques inteiros foram planejados para se transformar em reservatórios temporários quando chove demais. É o respeito à natureza aliando inovação, ancestralidade e filosofia aplicada na promoção do desenvolvimento sustentável.
Em vez de represas e barragens, que tem a pretensão de prender a água, ele defende a construção ou reutilização de parques e áreas verdes que absorvam o excesso de chuva, como uma esponja. O conceito inovador do arquiteto traz a convivência harmônica entre homem e natureza.
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora