ENTREVISTA DA SEMANA

Osvaldo Santos Souza (Fuminho): nos trilhos do samba

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Cássia Peres
Passista premiado, ele foi organizador de bailes de gala negros
Passista premiado, ele foi organizador de bailes de gala negros

Aos 88 anos, Osvaldo Santos Souza, o Fuminho, guarda lembranças que atravessam gerações. Nascido em Piratininga e morador de Bauru desde a infância, descobriu cedo a paixão pelo futebol e chegou a enfrentar Pelé no campeonato infantojuvenil da cidade.

O destino, porém, o aproximou da marcenaria e, mais tarde, da ferrovia, onde atuou até se aposentar como chefe de trem na Fepasa. Casado há 56 anos com Vera Lúcia, construiu uma família marcada pelo amor e também pela dor. Teve duas filhas de um relacionamento anterior - Rosimeire e Solange (in memoriam) - e, com a esposa, Rosana (in memoriam), Raquel, Nelson (in memoriam) e Regina, além de sete netos e cinco bisnetos.

Fuminho também escreveu sua história no Carnaval e na vida cultural afro-brasileira de Bauru. Passista premiado, foi diretor social da Sociedade Recreativa e Cultural Icaraí, onde ajudou a organizar bailes de gala que reuniam centenas de pessoas e levou atrações como o cantor Jamelão e o tradicional bloco Cordão da Bola Preta. Na maturidade, ele seguiu ativo em entidades de defesa dos direitos da população negra e da valorização da cultura afro-brasileira, além de participar de grupos da terceira idade, chegando a ser eleito Mister Simpatia em 2014. Após a perda da filha Rosana, há três anos, Fuminho encontra conforto na memória dos bailes, de suas conquistas e de sua longeva parceria com Vera, que ele revisita nesta entrevista. Leia os principais trechos.

JC - Como foi sua infância?

Osvaldo - Eu era bebê quando vim para Bauru e minha infância foi jogando futebol. Joguei em vários clubes no infanto-juvenil, inclusive contra o Pelé e o irmão dele, Zoca. Eles jogavam no Baquinho, time infantojuvenil do BAC e eu, como centromédio (meio-campista) do Caramuru. Foi nessa época, com uns 15 anos, que me puseram o apelido de Fuminho, mas não lembro o motivo. Naquele ano, não deixamos o Pelé fazer gols e fomos campeões do campeonato infantojuvenil contra o Baquinho. E olha que ele já estava chamando atenção quando jogava. Depois, machuquei o joelho e não quis mais saber de bola.

JC - O senhor já trabalhava nessa época?

Osvaldo - Trabalhava em uma marcenaria. Depois, fui trabalhar como ajudante na Bichusky, que fabricava móveis de marcenaria e dali entrei no Biancardi, que fabricava dormitório. Trabalhei lá por mais de 15 anos, até resolver me mudar para São Paulo, na década de 1960, quando fui contratado por uma empresa grande de marcenaria. Eu já estava noivo da Vera, que trabalhava como babá e minha irmã arrumou um emprego para ela lá, mas a Vera ficou morando na casa da patroa, perto do Masp, e eu no Jaçanã. Juntamos dinheiro por uns dois anos e nos casamos.

JC - Moraram por muito tempo lá?

Osvaldo - Por 11 anos. Lá, tivemos a Rosana, a Raquel e o Nelson, que morreu com dois dias de vida. A Vera já estava assustada com a violência em São Paulo e, quando perdemos nosso filho, decidimos voltar para Bauru. A Vera já tinha feito inscrição na Cohab aqui e voltou grávida da Regina. Enquanto isso, fiquei em São Paulo aguardando sair uma vaga de emprego na Fepasa em Bauru. Na mesma época que a Regina nasceu, em 1982, saiu nossa casa e fui chamado na Fepasa. Comecei carpindo o entorno da linha férrea e do pátio da estação, mas passei a ajudante de topógrafo, depois ajudante de trem e fui crescendo até chegar a chefe de trem. Trabalhei na ferrovia por quase 20 anos e só me aposentei com o fim da operação da Fepasa.

JC - Qual é a história do senhor com o Carnaval?

Osvaldo - Comecei a brincar Carnaval na Escola de Samba do Caré na rua onde hoje é o Calçadão com uns 17 anos. Tinha concurso de dança entre escolas de samba da região e fui escolhido como melhor baliza passista. Eu ia muito aos bailes de Carnaval e bailes de dança e comecei a ficar conhecido. Com isso, a Sociedade Recreativa e Cultural Icaraí, um clube com a nata dos negros que fazia bailes, me convidou para ser diretor social e divulgar os eventos. Eram bailes de gala, com orquestra, que reuniam 800, 1.000 pessoas de toda a região. Como eu viajava por todo o Estado, fui conhecendo como eram os grandes bailes, como em Araraquara, Jundiaí, Rio Claro e fui trazendo inovações para Bauru. Comecei jovem, tive uma pausa quando fui morar em São Paulo, e só parei de vez na pandemia de Covid-19. Mas o clube existe até hoje.

JC - Pode citar algumas ações do senhor como diretor?

Osvaldo - No baile para escolha da rainha, ganhava quem vendesse mais talões. Não era pela beleza e falei para o presidente do clube que aquilo estava errado, porque só ganhava quem tinha dinheiro. Mudamos a regra e, depois, conseguimos uma parceria com a prefeitura para fazer o baile de gala dos aniversários da cidade. Além disso, consegui trazer uma apresentação do Bola Preta, que era o maior bloco do Rio de Janeiro, além do show do cantor Jamelão, a atriz Isaura Bruno. Também fui convidado pela Lolita Rodrigues para participar do programa de TV Almoço das Estrelas, em São Paulo, dei entrevistas na Rádio Globo, Rádio Bandeirantes, Rádio Tupi e conheci pessoalmente alguns locutores, como o Fiori Gigliotti e o Cléber Machado.

JC - Seguiu a vida toda envolvido com a cultura?

Osvaldo - Sim. Em 2014, por exemplo, fui eleito Mister Simpatia da Melhor Idade de Bauru. De 2005 a 2007, fui membro do Conselho Municipal da Comunidade Negra e tive a oportunidade levar reivindicações no Palácio Bandeirantes, em São Paulo. Participei também da Associação Cultural de Tradições Afro-brasileiras de Bauru (Actabb) com o Zazá e o Bernardo. Até 2024, participei de grupos da terceira idade e fiz apresentações de dança em eventos do Mês da Terceira Idade, em outubro. Mas, há quase três anos, minha filha Rosana faleceu de dengue, aos 51 anos. Ela morava comigo e com a Vera, tinha um futuro imenso pela frente e é difícil aceitar. Agora, fico mais em casa e, de vez em quando, vou ao salão de cabeleireiro do Zazá para conversar.

Em 2014, foi eleito Mister Simpatia Melhor Idade de Bauru, ao lado da Miss Simpatia Maria Aparecida Carmo (Foto: Divulgação)
Em 2014, foi eleito Mister Simpatia Melhor Idade de Bauru, ao lado da Miss Simpatia Maria Aparecida Carmo (Foto: Divulgação)
Com a filha Rosimeire, Márcia - rainha da Escola de Samba do Caré - e o troféu de melhor passista da região (Foto: Arquivo pessoal)
Com a filha Rosimeire, Márcia - rainha da Escola de Samba do Caré - e o troféu de melhor passista da região (Foto: Arquivo pessoal)
Como mestre de cerimônias de um dos bailes do Icaraí, com Paulo, Neusa (Miss Simpatia) e Antônia (Foto: Arquivo pessoal)
Como mestre de cerimônias de um dos bailes do Icaraí, com Paulo, Neusa (Miss Simpatia) e Antônia (Foto: Arquivo pessoal)
Osvaldo (no centro da foto, de paletó azul) com a família e amigos: Bernardo, Edina, Maria Cristina, Ana Maria,  Karen, Ísis, Vera, Antônio, Antônia, Angelita e Zazá
Osvaldo (no centro da foto, de paletó azul) com a família e amigos: Bernardo, Edina, Maria Cristina, Ana Maria, Karen, Ísis, Vera, Antônio, Antônia, Angelita e Zazá

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