COLUNISTA

Uma Reflexão cristã sobre a tecnocracia

Por Hugo Evandro Silveira | Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril.
| Tempo de leitura: 3 min

Vivemos uma época em que o avanço técnico-científico é celebrado como a salvação da humanidade. Soluções para a pobreza, para o colapso ambiental, para os conflitos sociais e até para a morte estão sendo propostas em tom quase messiânico por tecnocratas, engenheiros sociais e desenvolvedores de inteligência artificial. Não são poucos os que acreditam que, se colocássemos os dados certos nas mãos certas, o mundo funcionaria como uma máquina perfeita. Essa lógica retoma, em nova roupagem, o ideal da tecnocracia: um sistema de governo gerido não por representantes do povo, mas por especialistas — engenheiros, cientistas, programadores — que tomam decisões baseadas exclusivamente na eficiência técnica. Em vez de democracia, algoritmos. Em vez de deliberação moral, estatística. Em vez de comunhão, cálculo.

Essa proposta não é nova. Nos anos 1930, o movimento tecnocrático norte-americano propôs exatamente isso: substituir a política pela técnica, o debate pela exatidão, a ética pela engenharia. Em tempos de crise econômica e instabilidade, a ideia parecia sedutora: por que não entregar o mundo a quem realmente entende de como ele funciona? Por que não deixar que as máquinas — isentas de emoção, ego ou corrupção — determinem o que é melhor para todos? Por trás dessas perguntas, porém, esconde-se uma visão profundamente reducionista do ser humano. Para os tecnocratas, as pessoas são recursos, engrenagens, dados.

A tecnocracia seduz porque promete o que o coração humano tanto deseja: justiça, prosperidade e ordem. Mas ao propor um sistema em que decisões são tomadas por inteligência artificial ou por comitês técnicos, ela elimina o elemento essencial da existência humana: a responsabilidade moral. Deus nos criou à Sua imagem, como seres livres e morais, capazes de escolher entre o bem e o mal (Gênesis 2.16,17). A Bíblia revela que o Senhor não deseja autômatos eficientes, mas pessoas que amem, sirvam e vivam em comunhão com Ele. O governo de Deus é justo, mas também pessoal. A tecnocracia pode calcular o que é eficiente, mas jamais ensinará o que é bom.

Além disso, o modelo tecnocrático ignora a realidade do pecado. Ele parte do pressuposto de que técnicos e cientistas são neutros, incorruptíveis, racionais. Mas a Palavra de Deus afirma: "Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto" (Jeremias 17.9). Trocar políticos por técnicos não resolve o problema do poder; apenas muda quem o exerce. O pecado continua presente. Mesmo os mais capacitados são inclinados à vaidade, ao orgulho e à autossuficiência. Uma sociedade governada por números, que exclui a ética, a fé e o amor ao próximo, pode até ser funcional, mas será desumana.

A Bíblia nos apresenta um caminho diferente: nem a idolatria do indivíduo (o "eu absoluto") nem a supressão da vontade humana em nome de uma "máquina perfeita" (o "nós forçado"), mas a comunhão em amor. Em Atos 2.44-47, vemos a Igreja primitiva compartilhando recursos, vivendo com simplicidade, ouvindo o ensino dos apóstolos e se dedicando à oração. Essa não era uma tecnocracia, mas uma comunidade baseada na fé, no arrependimento e na graça. Eles tinham tudo em comum, não porque foram obrigados, mas porque amavam uns aos outros. A verdadeira eficiência social nasce de corações transformados, não de algoritmos frios.

Por isso, a fé cristã oferece um caminho mais profundo e realista: a transformação interior pelo Evangelho. Não precisamos de máquinas para salvar o mundo, mas do Reino de Deus, que cresce como semente (Marcos 4.26-29), invisível aos sistemas humanos, mas poderoso para renovar vidas e estruturas. Não é errado buscar eficiência e boa gestão dos recursos, mas quando isso é feito à custa da liberdade, da consciência e da graça, trocamos a esperança pelo controle. A tecnocracia pode até organizar o mundo, mas jamais redimirá o coração humano. Que sejamos vigilantes, porque a tecnologia é uma excelente serva, mas um terrível senhor. E que lembremos: o Reino de Deus não será governado por técnicos, mas por Cristo — justo, verdadeiro e cheio de compaixão.

IGREJA BATISTA DO ESTORIL

Cultos Online: https: www.youtube.com/@tvibatistaestoril

63 anos atuando Soli Deo Gloria

Comentários

Comentários