A inteligência artificial veio para ficar, apesar dos esperneios de intelectuais e dos diretores das empresas de conteúdos, diga-se, grandes jornais que ainda restam. Ninguém ainda conseguiu enquadrar as big techs que estão se aproveitando dessa pirataria, para fazer dinheiro.
O Judiciário nem sequer conseguiu impor regras à internet, espécie de terra de ninguém, e surge a IA, onde todos fazem o que querem. Um mundo anárquico, para o bem e para o mal. Qualquer pessoa pode gerar textos reproduzindo o estilo de um grande escritor. Basta acionar o ChatGPT, o Gemini ou o Deepseek e abrir as ferramentas à disposição e encomendar o que quiser. Em poucos segundos o texto é produzido, com o estilo literário de um prêmio Nobel, sem que se possa acusar de plágio a plataforma, porque o palavreado é diferente do original e a temática tem derivações buscadas em títulos de outros autores.
As ferramentas foram treinadas com milhões de trechos de livros e análises publicadas na internet, sobre determinado assunto ou questionamento. O sistema de algoritmos se encarrega de explorar o contexto, pinçado aqui e ali, com sua tecnologia avançada. É a mesma dinâmica que persegue você com anúncios de mercadorias similares àquela que você demonstrou interesse, mesmo que só tenha dado um clique na figura surgida no Facebook.
Milhões de cópias de livros, artigos, teses acadêmicas, resenhas e quaisquer tipos de textos são capturados de graça. Os supercomputadores, devidamente programados, se encarregam de reelaborar outros conteúdos, à vontade do cliente. Os usuários do ChatGPT, começam a se utilizar de IA também para transformar reproduções de imagens captadas em inúmeras fontes, em novas "obras de arte", filmes e desenhos animados. Músicos, fotógrafos, artistas visuais, jornalistas, já se sentiram lesados.
O uso da IA por advogados e juízes levou a um aumento inesperado da produtividade desses profissionais. Um juiz de Direito do Maranhão, que mantinha uma média de 80 decisões mensais, passou para 969 sentenças numa disparada de mais de 1.000%.
Para o Brasil, que tem 83 milhões de processos em curso, a utilização responsável da IA pode gerar benefícios. O Conselho Nacional de Justiça criou um comitê nacional para monitorar e atualizar as diretrizes de uso da tecnologia. A utilização da IA precisa ser seguida de revisão humana - eis a primeira recomendação. Os usuários externos devem ser informados sobre a utilização do recurso tecnológico nos serviços prestados. Seria uma medida de transparência e precaução do próprio signatário do texto.
Se não houver checagem, a IA pode criar uma jurisprudência falsa, depois de repassar milhões de arquivos em segundos, muitos deles ultrapassados.
A OAB do Rio de Janeiro, processa uma empresa por entender que ela viola o Estatuto da Advocacia ao vender petições geradas por IA, para serem usadas em instância de menor complexidade e nas quais é permitido impetrar ações sem um advogado, como nos Juizados Especiais. A própria parte pode peticionar, mas a OAB reclama do fato de alguém ter lucro com um trabalho jurídico sem a participação de advogado.
Durante julgamento no STF sobre a responsabilidade das plataformas digitais, o ministro Flávio Dino disse ter consultado a inteligência artificial da Meta e o texto gerado pela big tech reconhece que a liberdade de expressão não é um direito absoluto.
Ao questionar a IA sobre o tema, a resposta incluiu limites como discurso de ódio, difamação, segurança nacional e ordem pública. Para o ministro, a própria tecnologia reforça que não há justificativa jurídica e nem moral para proteger discursos que causam danos a terceiros ou à sociedade.
A utilização criminosa da era digital precisa ser responsabilizada, quanto a autoria, e também pela divulgação que visa o lucro, sem considerar os malefícios que pode causar.
O autor é jornalista.