
Filha de empreendedores que criaram a tradicional churrascaria Guaíba, Doreli Maria Zampieri, 56 anos, tem no sangue a força do trabalho e, no coração, a causa animal. Nascida em Campinas do Sul (RS) e criada entre toalhas de mesa e panelas nos restaurantes da família, ela teve a trajetória marcada por reinvenções: da prestação de serviços na área de alimentação ao ramo da contabilidade, de mãe solo após a morte precoce do marido à ativista.
Foi em 2018, ao resgatar um cão doente de uma vizinha, que Doreli transformou o amor pelos bichos em propósito. Desde então, fundou uma ONG com a protetora Soraya Gasparini, tornou-se vice-presidente do Instituto Thais Viotto e, em março deste ano, assumiu a presidência do Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais (Comupda) de Bauru.
No cargo, mostra disposição em lutar pela valorização do colegiado dentro do debate público e por políticas públicas mais efetivas na cidade. "Não vamos resolver tudo, mas é possível melhorar bastante a situação", afirma, com a firmeza de quem já superou desafios e perdas e a empatia de quem vê em um animal resgatado a possibilidade do recomeço.
Nesta entrevista, a filha de Santo Zampieri (in memoriam) e Teresinha Basegio e mãe de Rafael Zampieri Felício, 33 anos, revive sua jornada desde a infância no Sul do País até a vida adulta em Bauru, onde a missão de proteger os 'invisíveis' de quatro patas nasceu, e antecipa quais são suas principais metas em seu mais novo desafio.
JC - O que motivou sua vinda para São Paulo?
Doreli - Meus pais trabalhavam na roça, como todos da família, com lavoura de soja, milho e trigo. Um tio em Mogi Mirim tinha restaurantes e sempre trazia casais do Sul para trabalhar na cidade. Ele convidou meus pais e eles vieram em uma Kombi com mais quatro casais de tios meus, além de mim e minhas duas irmãs, Marinês e Marli, para trabalhar em um restaurante em Lorena. Eu tinha 4 anos. Depois de um tempo, esse tio estava precisando de um gerente em um restaurante em Araraquara e, como meus pais sempre foram muitos trabalhadores, fomos para lá.
JC - Chegou a ajudá-los no restaurante, quando cresceu?
Doreli - Fui criada embaixo de mesa de cozinha, dormia sobre as toalhas de mesa que estavam em um canto para lavar. Mas, com uns 13 anos, já ajudava, porque meu pai, depois de anos como gerente em Araraquara, conseguiu comprar o primeiro restaurante. Em seguida, comprou um empório, que tinha de tudo, até adquirir, em sociedade com um primo, o restaurante Terraço, que ficava na rodoviária recém-inaugurada de Araraquara e deu muito certo. A partir disso, eles abriram o restaurante Guaíba em Limeira e Presidente Prudente, que ainda existem, e em Piracicaba e Londrina.
JC - O Guaíba foi muito conhecido em Bauru. Chegou a trabalhar lá?
Doreli - Não. Trabalhava em Araraquara, conciliando com os estudos e, em final de ano, fazíamos confraternizações fechadas para empresas em Limeira. Eu ficava no caixa e, em uma destas festas, aos 17 anos, conheci meu marido. Nós nos casamos após 11 meses, em 1987, e fui morar em Limeira. Desde então, não trabalhei mais em restaurante. Fui secretária em uma clínica médica, fiz um curso de técnico administrativo e comecei a atuar na área contábil. Mas meu marido faleceu quando meu filho tinha 12 anos, então, voltei para Araraquara, onde estava minha família, e segui trabalhando em escritório de contabilidade.
JC - O que motivou a mudança para Bauru?
Doreli - Meu filho foi fazer faculdade em Limeira quando completou 18 anos, minha mãe e a Marli se mudaram para Presidente Prudente, a Marinês, para Piracicaba e fiquei sozinha. Quando meu pai inaugurou o Guaíba em Bauru, ele trouxe a Marli e minha mãe para cá. Elas falavam para eu vir também e, em 2011, me mudei. Fiquei trabalhando em escritório de contabilidade até 2018 e fui para o setor de compras da TV Record daqui. Como sou curiosa, me metia em um monte de coisas, arrumava cenário. Aprendi bastante nessa época, que foi uma escola para mim também diante das dificuldades trazidas pela pandemia. Mas, em 2023, saí da Record e hoje trabalho em casa, fazendo a contabilidade de microempresas, principalmente MEIs.
JC - Como se envolveu com a causa animal?
Doreli - Em 2018, quando me mudei para uma casa perto da Record, vi um animal de uma vizinha muito magro e com vários problemas de saúde. Com o consentimento dela, eu o adotei e ele, guerreiro, viveu mais um ano e meio. Neste período, conheci a Soraya Gasparini, protetora com quem aprendi muito, e comecei a observar como Bauru não tem uma política de proteção animal eficiente, até porque sequer possui uma lei que estabeleça esta política. E nós fundamos a ONG Frente da Defesa Animal. Fizemos arrecadações, doações, manifestações como a que pedia o cumprimento da lei que proíbe fogos com estampido, abaixo-assinado para o Castromóvel, parado há cinco anos, voltar a funcionar. Depois, saí da Frente e comecei a participar das reuniões do Comupda, do qual a Thais Viotto foi presidente. Se com a Soraya aprendi a prática da causa animal, com a Thais aprendi o aspecto jurídico. Ambas foram divisores de águas na minha atuação na causa animal.
JC - E acabou tornando-se presidente. No cargo, quais são suas metas?
Doreli - Agora, além de ser vice-presidente do Instituto Thais Viotto, assumi a presidência do Comupda para o biênio 2025/2027. Estou lutando para o conselho ser um pouco mais respeitado porque, para ter ideia, o projeto de criação do Departamento de Proteção Animal da Secretaria do Meio Ambiente só foi submetido ao conselho depois que pedi ajuda à vereadora Estela. Também tenho como metas fazer com que o telefone de plantão do CCZ se torne público e que as leis municipais do banco de ração e da farmácia pet sejam cumpridas. Há muitos animais vivendo terrores na cidade e sei que não vamos resolver tudo, mas é possível melhorar bastante a situação.
O QUE DIZ A PROTETORA
'Minha irmã e minha mãe vieram para Bauru quando meu pai inaugurou o Guaíba e, em 2011, me mudei para cá'
'Se com a Soraya Gasparini aprendi a prática da causa animal, com a Thais Viotto aprendi o aspecto jurídico'
'Há muitos animais vivendo terrores na cidade e é possível melhorar bastante a situação'



