Após a derrubada do decreto que aumentava alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Congresso, o discurso de "ricos contra os pobres" vem provocando uma guerra tendo as redes sociais como campo de batalha. Estão envolvidos o governo Lula e, praticamente, todos os partidos políticos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos- PB) tem sido linchado com ataques pessoais, por ter levado a matéria à votação do plenário, com o governo Lula ainda despreparado.
O ministro da Fazenda Fernando Haddad, defende-se dizendo que a oposição não quer que os ricos sejam taxados "um pouquinho mais", para que os pobres, ou os que recebem até 5 mil reais por mês, fiquem isentos do Imposto de Renda. Depois da divisão ideológica do país, naquilo que se poderia chamar de esquerda versus direita, temos agora a "polarização social". É, em outras palavras, o "nós contra eles". O perigo é virar um contra todos, ou todos contra todos, o que seria um desastre institucional.
Nem o Supremo Tribunal Federal quer entrar nessa briga. Lula já determinou à Advocacia Geral da União que apele para o "tapetão", ou não terá mais como governar o país. Do outro lado, oito partidos declararam que vão ao STF defender a decisão do Congresso. O ministro Gilmar Mendes adiantou preferir que as partes se sentem à mesa e acertem duas diferenças. Ministro Flávio Dino também opina que é mais civilizado o entendimento mutuo do que as partes se sujeitarem à aplicação da "letra fria da lei".
Uma terceira versão da contenda, reforça a ideia de que os pobres é que vão pagar a conta. Os ricos continuarão ricos. Aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras, aumentam os juros, os custos dos gêneros de primeira necessidade e os supermercados repassam esses ônus aos "mantimentos". O povo passa comprar menos por mais.
A rivalidade faz parte da civilização. A primeira relação entre irmãos terminou em morte. Desde o Gênesis, a rivalidade virou regra em todos os setores da vida e da atividade humana. Até devemos muito do avanço cientifico e, principalmente econômico, à concorrência.
Rivalizaram-se os gregos e troianos, os romanos e os cartagineses nas guerras púnicas. Rivalizaram-se famílias como os Montechio e os Capuleto em Romeu e Julieta. Rivalizam-se povos e países, religiões e torcidas. Em política, é um pouco diferente. O duelo tem seu tempo de ensarilhar armas. Na hora que é preciso dividir o poder eles se entendem e param de atirar pedras uns nos outros. Em política não existem inimigos irreconciliáveis, concluiu Tancredo Neves. O perigo - ele alertava - é quando a rivalidade fica dominada pelo fanatismo, em que cresce a paranoia, pois cada parte se imagina com toda a razão.
O desafio de superar as agressividades entre rivais pode ser transposto com muitas concessões entre as partes em conflito. Hoje, ao contrário, com a aproximação da eleição, investir num discurso mobilizador da militância parece a palavra de ordem. Dos dois lados.
Com a revolução tecnológica, ficou fácil comunicar-se com milhares de pessoas e expor suas ideias, para o bem e para o mal. As redes sociais trabalham pesado, ativadas pela inteligência artificial que é capaz de tudo com suas "deepfakes". São ferramentas para a criação de conteúdos falsos envolvendo atores políticos. É preciso saber usar as conquistas da ciência, aceitando o "outro", que pode não pensar como você, mas também é digno de respeito.
Nelson Mandela, que se doou em vida para superar a rivalidade na sociedade racista da África do Sul, passou 27 anos na prisão. Em sua cela minúscula, isolado numa ilha-presídio, ele lembrava dos versos que os estimulavam na tristeza: "Eu sou o mestre do meu destino/Eu sou o comandante da minha alma." Mandela aprendeu a dominar a si mesmo e não se deixar dominar pelo ódio. Revelou-se um comandante de si e do seu povo, ao liderar a sonhada reconciliação entre brancos e negros. Liberto, foi eleito presidente do seu país e jamais se revelou revanchista.