OPINIÃO

As quatro estações

Por Claudia Zogheib | A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia, Psicóloga Clínica formada pela USC, responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã e Auguri Humanamente
| Tempo de leitura: 3 min

Primavera, verão, outono, inverno são quatro estações que nos ensinam com silêncio sobre alegria, extremos, cores, expansão, recolhimento.

Tive dificuldade em escrever esta semana, iniciei com um tema, mas depois do ataque à igreja de Damasco e os bombardeios, estava quase desistindo, pensando em quantas pessoas pagam com seu sangue a ignorância, e me fugiam as palavras, pareciam desordenadas, sem sentido, e depois, com a morte da Juliana, uma jovem cheia de vida que ficou quatro dias à espera de socorro, fui movida por uma tristeza que não me anestesiou, então pensei em escrever por eles, por estas dores humanitárias.

Que mundo estamos vivendo, até onde iremos aguentar a maldade e o egoísmo, sendo levados como coabitantes estagnados.

Transbordando em todos os sentidos, vivemos rodeados de pequenas guerras, da ignorância ao descaso, do desamor que justifica as próprias atitudes sem pensar sobre elas, no mal contido no desconhecimento daquilo que somos capazes de fazer quando nos abandonamos na voracidade de um reconhecimento a partir da destruição do outro, que tenta encontrar significado na desintegração, na destruição, na posse.

Quando Freud escreveu sobre a guerra, ele dizia que se tratava de um evento que expõe a fragilidade da civilização e a força de impulsos inconscientes que colocam à prova as certezas sobre o desenvolvimento humano e sua capacidade de controle da própria destrutividade.

Disto ele sabia bem, pois quando os nazistas invadiram Viena, seus livros foram queimados, e ele e sua filha Anna, também psicanalista, foram interrogados pela Gestapo.

Freud sempre acreditou em pessoas que podem tornar consciente seus pensamentos e motivações inconscientes a ponto de obter insights que são capazes de liberar emoções e experiências reprimidas, tornando o inconsciente consciente a ponto de fazer escolhas que produzam conhecimento e construção daquilo a que fomos chamados a viver quando pensamos em humanidade, família, amizades, que quando transformados pela experiência de si mesmo, entende o antagonismo de atitudes mergulhadas na própria ignorância, e o que podemos construir quando nos acessando, experimentamos os desdobramentos de abrir espaço para a nossa própria subjetividade.

A guerra e o abandono nunca se provaram eficaz, mas seu resultado é experimentado por todos, e em sua maioria, quase sempre por indivíduos que não estão lutando por sua própria escolha, mas por uma relação de domínio.

De certa maneira, quando estamos tristes pela morte injusta de pessoas inocentes, mesmo quando desconhecidas, atestamos saúde mental, e mais do que isto, experimentamos uma realidade que nunca deveria ter barreira quando enxergamos a dor do outro, porque no campo da saúde mental, enxergar a dor é um sinalizador de como nos tratamos, do quanto nos damos importância. E a dor de tudo isto, é que enquanto as pessoas não se escolhem, continuam sofrendo as mazelas de uma humanidade que se destrói, e padecem da falta de saúde mental pelos excessos de destrutividade e desumanidade.

Queremos dias melhores, mas esquecemos que para este dia chegar precisamos rever aquilo que trazemos dentro, entendendo que enquanto isto não acontece, padecemos da própria ignorância que expõe inocentes e subjuga a experiência do outro.

Nas quatro estações, entendemos a movimentação que elas, em silêncio, querem nos ensinar quando mudam, e mesmo quando experimentamos suas alterações bruscas ocorridas pela destrutividade do homem, nos expondo a tantas mudanças climáticas e um solo contaminado pela guerra, as mudanças que experimentamos nas estações, sempre querem nos comunicar algo, mas elas esperam que possamos ouvir suas calmarias, suas fúrias, suas cores turvas, suas transformações, seus silêncios.

Música "Io che amo solo te", com Chiara Civello e Chico Buarque.

Caros leitores, tenho estado um pouco ausente pois estou ocupada com dois projetos pessoais, dois livros que estou escrevendo, mas nas minhas redes sociais e site tem tudo que tenho escrito, atualmente a cada quinze dias, sempre às sextas. Obrigada por tantas mensagens e carinho.

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