COLUNISTA

Israel e a Pérsia: quando foram aliados

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 4 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Diante dos atuais embates entre Israel e o Irã - nações que hoje se percebem como inimigas irreconciliáveis no cenário geopolítico e religioso -, é frequentemente negligenciado o fato de que, em determinado momento da história, essas mesmas nações mantiveram relações de aliança, cooperação e benefício mútuo. No período do rei Ciro, da Pérsia, o vínculo entre Israel e o império persa não se limitou a uma simples relação diplomática, mas se constituiu como um instrumento direto da soberania divina, cuja finalidade foi viabilizar a restauração nacional, espiritual e cultual do povo judeu. Esse episódio evidencia como, na dinâmica da história bíblica, Deus, em sua providência, utiliza até mesmo forças estrangeiras para cumprir seus desígnios.

O livro de Esdras, capítulo 1, relata um dos episódios mais extraordinários da história bíblica e da geopolítica antiga. Após décadas de exílio na Babilônia, os judeus recebem uma surpreendente proclamação: "Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus dos céus, me deu todos os reinos da terra e me encarregou de edificar-lhe uma casa em Jerusalém, que está em Judá. Quem dentre vós é do seu povo, suba, e que o seu Deus seja com ele." (Esdras 1.2,3). Ciro não era judeu, era persa, nem cria no Deus de Israel. Contudo, reconheceu que o Deus dos céus lhe havia confiado uma missão: libertar os judeus e ajudá-los a reconstruir o templo em Jerusalém. Algo impensável nos padrões dos impérios pagãos daquele tempo. O profeta Isaías, quase dois séculos antes de Ciro nascer, já havia profetizado sobre ele de forma precisa: "Assim diz o Senhor a Ciro, seu ungido, a quem tomo pela mão direita para submeter nações diante dele... Por amor de meu servo Jacó e de Israel, meu eleito, eu te chamei pelo teu nome..." (Isaías 45.1,4). De maneira surpreendente, Deus chama Ciro de "seu ungido", um título que no restante da Bíblia é reservado a reis de Israel, sacerdotes e até ao Messias. Aqui, Deus mostra que Sua soberania governa até mesmo sobre reis que não fazem parte do povo da aliança.

No contexto da história, a Pérsia, sob o comando de Ciro, representou para Israel não um inimigo, mas um instrumento de libertação, proteção e restauração espiritual e nacional. A política persa era diferente da babilônica: ao invés de deportar e escravizar povos, preferiam permitir que as nações mantivessem sua identidade e seus cultos, desde que fossem leais ao império. Por isso, não apenas Ciro autorizou o retorno dos judeus, como também financiou a reconstrução do templo, devolveu os utensílios sagrados que Nabucodonosor havia levado, e garantiu segurança no caminho de volta a Jerusalém (Esdras 1.4-11). O relacionamento de Israel com a Pérsia continuou positivo ao longo de gerações. O livro de Neemias mostra que outro rei persa, Artaxerxes, também apoiou a restauração dos muros de Jerusalém, autorizando Neemias a liderar essa missão e fornecendo recursos e cartas de proteção (Neemias 2.1-9). Mais uma vez, fica evidente que Deus não está restrito aos limites étnicos, políticos ou religiosos.

É paradoxal que a mesma nação que, sob Ciro, foi aliada e benfeitora de Israel, hoje se coloque como seu mais ferrenho inimigo. O Irã, herdeiro da antiga Pérsia, manteve, até 1979, uma relação amistosa com Israel, sendo um dos poucos países muçulmanos que reconheceu oficialmente o Estado Judeu e firmou alianças diplomáticas, militares e econômicas, especialmente durante o governo do xá Mohammad Reza Pahlavi. Contudo, com a Revolução Islâmica (fev/1979), liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, o Irã adotou uma doutrina teocrática xiita profundamente anti-Israel, classificando-o como "regime sionista ilegítimo" e buscando sua destruição. Esse objetivo se materializa no financiamento e apoio a grupos como Hezbollah, Hamas e Houthis. A política externa iraniana, marcada por uma ideologia expansionista, combate Israel e os EUA, chamados de "Pequeno Satã" e "Grande Satã".

É irônico que a antiga Pérsia, que nos tempos de Ciro, Dario e Artaxerxes foi instrumento de bênção para Israel, hoje, na figura do Irã, se coloque como seu maior inimigo. Isso revela como nações se transformam, mas sobretudo confirma uma verdade eterna: "O Senhor reina para sempre" (Salmo 146.10). O mesmo Deus que levantou Ciro pode, soberanamente, mudar qualquer cenário geopolítico. Aos cristãos, não cabe torcer por guerras, nem distorcer a escatologia como instrumento ideológico. Nosso chamado é confiar que "o coração dos reis está nas mãos do Senhor" (Provérbios 21.1), interceder por paz, amar tanto Israel quanto os povos vizinhos, e proclamar que Cristo é o Príncipe da Paz, que transforma corações, não pela força, mas pela cruz.

63 anos atuando Soli Deo Gloria

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